A polêmica eleição do pastor e deputado Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias ganhou um novo tempero nos últimos dias. O jornalista Alexandre Garcia saiu em defesa do polêmico deputado, invocando o direito constitucional à livre expressão. Em vídeo que vem sendo amplamente divulgado nas redes sociais, o ex-âncora da Rede Globo disse, entre outras opiniões controversas, a seguinte frase: “Se ele é acusado por opinião, supõe-se que aqui no Brasil exista crime de opinião, e não existe. Ele não pode ser acusado de opinião se a opinião é livre e protegida pela Constituição.”
Desculpem-me os defensores de tal pensamento, mas discordo dele. Para começar, um sujeito que foi porta-voz do governo na ditadura militar não tem lá muita moral para falar em liberdade de expressão ou temas afins. E talvez ele não saiba, ou não queira dizer, que a mesma Constituição que garante a liberdade de expressão prevê limitações a tal direito e punição a quem se exceder. Se fosse como ele alega, não existiriam, entre outros, os crimes de injúria, calúnia e difamação previstos no Código Penal, e os de racismo e preconceito previstos na Lei nº 7.716/89 e na própria Constituição (Art. 5º, XLII).
Assim, entendo que o direito constitucional à livre expressão não pode ser invocado para justificar a prática do racismo e as manifestações de preconceito, pois a própria Constituição prevê limitações a tal direito. Simples assim: seu direito termina onde começa o direito do outro; ou se preferir, o direito de ser respeitado implica no dever de respeitar. E é por esta razão que, por mais que eu tenha vontade, não posso manifestar tudo o que penso sobre Marco Feliciano, Alexandre Garcia ou quem compartilha destas opiniões.
E não é por ser jornalista da poderosa Rede Globo que ele é dono da verdade. Pelo contrário, neste caso acho que ele meteu os pés pelas mãos, como muitos jornalistas fazem. Aliás, acho que existe uma “distância infinita” (utilizando a mesma expressão utilizado pelo jornalista) entre uma pessoa meramente expressar sua opinião e dizer que “negros descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé”. Isso, sim, é crime. Expressão de opinião é o que fazemos aqui, expondo nossos pontos de vista sem ofender ou cometer algum crime. Invocar o direito constitucional à livre expressão para cometer crime de racismo, para mim, é o mesmo que invocar o direito à livre iniciativa e ao exercício do trabalho para cultivar maconha ou refinar cocaína…
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Gleison Luiz Zambon é oficial de Justiça, Piracicaba, SP