Numa entrevista concedida à Revista do Clube Militar (Ano LXXIV, nº 386, ago.-set. 2001), Olavo de Carvalho (que se autointitula filósofo) diz crer que os militares tenham sido pouco firmes no que diz respeito à oposição política formada pela classe intelectual de esquerda. Em resposta à pergunta “o regime democrático é uma espécie de panaceia, que serve para todos os povos, ou cada povo tem de ser preparado para adotá-lo, por meio da educação?” (sic), Olavo deixa claro que acredita que houve aberturas no meio cultural para que se propagasse o tão temido comunismo que, segundo ele, já estava presente no Brasil antes mesmo de 1964.
Num trecho da resposta, temos:
“O regime militar de 1964 foi uma grande oportunidade perdida. Os militares poderiam ter educado a nação, mas ocuparam-se somente da economia e do combate às guerrilhas, deixando a educação nas mãos de intelectuais esquerdistas insanos” (sic).
A resposta acima mostra total desconhecimento das práticas do governo militar no campo educacional. Um exemplo forte de intervenção da ditadura na educação foi o banimento da Filosofia no ensino médio. Esse afastamento está diretamente ligado a questões político-ideológicas. Essa disciplina, na possibilidade de levar os alunos à reflexão crítica, como apontou o professor e crítico literário Alfredo Bosi, trazia riscos à integridade do regime e por essa razão foi extirpada, causando uma grande brecha no ensino secundário. A disciplina só veio a tornar-se obrigatória, novamente, em 2008. Um estudo profundo já fora feito sobre o tema, sob o título “(Des) Razões da retirada da Filosofia do Ensino Médio no Brasil”, de autoria do pesquisador Celso João Carminati.
Repressão na USP
A acusação de que ainda hoje há um monopólio de esquerda nas escolas e universidades é falsa. O funcionamento desta acusação assemelha-se, assim como a justificativa para a retirada do presidente João Goulart da Presidência da República, à função do documento chamado Plano Cohen, escrito pelo capitão integralista Olímpio Mourão Filho, que criou um clima de ameaça comunista, assustando a população e abrindo a possibilidade de um golpe de Estado para, assim, perpetuar Getúlio Vargas na Presidência.
Como poderia, ainda naquela época, haver liberdade para a esquerda proliferar nas universidades? Nos ambientes acadêmicos haviam agentes da repressão infiltrados, como contou o ex-deputado Adriano Diogo (PT-SP) em entrevista à equipe do SBT, que relatou o sumiço de professores e estudantes (incluindo o seu colega de classe Alexandre Vannucchi Leme) da USP, que foram delatados por um órgão ligado ao II Exército que funcionava dentro da reitoria da USP.
Se, para Olavo de Carvalho, censurar uma disciplina de tamanha importância é algo a ser ignorado, como levar a sério todas as suas outras “verdades”?
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André Rosa é analista de sistemas e escritor, São José do Vale do Rio Preto, RJ