Nos anos da ditadura militar, vivíamos sob censura. Liberdade de imprensa era um sonho, às vezes regado com lágrimas e sangue. Conquistada ao menos uma parte da liberdade, passamos a lutar contra o monopólio das mídias, o controle de poucas pessoas e empresas, a filtragem política e econômica das notícias e o resultado perverso: manipulação da opinião pública.
O caso clássico, que muitos lembram com certa nostalgia, é a edição do debate entre Lula e Collor nas eleições de 1989. A seleção dos trechos que prejudicavam Lula ficou, na indignação de seus partidários e da opinião pública, como exemplo de uso criminoso da mídia a ser sempre repudiado.
Agora temos a internet, com liberdade e velocidade antes inimagináveis. A militância dirigida, de partidos e outras organizações, é confrontada pela nova militância autoral de indivíduos livres para defender as causas que escolhem. Também a imprensa tradicional tem que disputar opinião pública com um jornalismo autoral, avulso e diversificado.
No universo das mídias, as virtudes da credibilidade e a opinião informada convivem com os vícios dos preconceitos, mentiras e desinformação.
Dois mundos, real e virtual, se interpenetram, com invasões súbitas. Nesta semana, uma onda de pânico levou os beneficiários do Bolsa Família aos bancos, com o boato de sua extinção se espalhando sem origem nem autoria. Segue-se a troca de acusações e os donos das pranchas políticas tentam “surfar” na onda.
Ambiente de aprendizado
Acontece que o atraso também buscou o novo ambiente. Nesta semana [passada], quando a edição maldosa do Diário de Pernambuco me acusando de defender o deputado Feliciano e suas ideias equivocadas ainda nublava algumas mentes e corações bem-intencionados, surgiu outra difamação tentando me associar a um criminoso do Paraná. Ao respondê-la, localizei um perfil falso que disseminava a mentira para vários sites. Depois encontrei outros perfis falsos, agindo coordenados.
Na eleição de 2010 já era visível essa militância dirigida, que depois se profissionalizou. Várias organizações mantêm suas brigadas digitais, com “editores” dos debates e notícias cujos critérios são os interesses de seus patrões. Uma investigação detalhada poderia mostrar essa espécie de “mensalão da internet”, uma indústria subterrânea da calúnia.
Pessoas mais bem informadas não se enganam, especialmente quem viveu o tempo da censura e viu os casos de manipulação da mídia. Mas ainda há muita gente que não verifica as fontes e se assusta com boatos.
Enquanto esses esquemas não se tornam mais visíveis, vamos navegando e cultivando a democracia como um ambiente de aprendizado, de persistência em busca da verdade. Só ela pode honrar a liberdade que lutamos para conquistar.
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Marina Silva é ex-ministra e ex-senadora da República