As manifestações de protesto contra o aumento da tarifa de transportes coletivos – que continuam a ter São Paulo como principal centro, mas se espalham por outras capitais – estão adquirindo características que exigem ao mesmo tempo sangue-frio para enfrentá-las e esforço de compreensão do que exatamente se passa, tanto por parte das autoridades como de todos os que de uma forma ou de outra são afetados por elas. Quando se pensava que iam dar uma trégua, depois de vários dias de agitação, elas prosseguiram com força na capital paulista na quinta-feira.
Foi a manifestação mais violenta – pela insistência dos seus integrantes em ocupar vias, como a Avenida Paulista, que as autoridades haviam decidido manter livres, e pela reação da Polícia Militar (PM), muito mais dura que nos dias anteriores. Os manifestantes saíram das imediações do Teatro Municipal, passaram pela Praça Roosevelt e, quando tomaram a Rua da Consolação começou o conflito com a PM.
Repetiu-se o cenário de dias anteriores, com a ação da polícia provocando a fúria dos manifestantes, com atos de vandalismo. Mas, com a PM dessa vez determinada a conter o protesto naquele ponto, atirando balas de borracha e bombas da gás lacrimogêneo, o conflito se agravou e mesmo quem nada tinha a ver com o protesto – pessoas que saíam do trabalham e mesmo alguns jornalistas que faziam a cobertura dos fatos – foi atingido. O número de feridos – 105 – foi muito mais elevado – 55 na Consolação e ruas próximas que os manifestantes alcançaram e 50 nas imediações da Paulista. E o de detidos chegou a 130.
Atitudes claras
Os confrontos não se agravaram apenas em São Paulo. Também no Rio de Janeiro, o protesto contra o aumento das passagens de ônibus recrudesceu, reunindo mais de 2 mil pessoas, que depredaram agências bancárias, atearam fogo em sacos de lixo, picharam prédio tombados, como o Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa, e apedrejaram o do Tribunal de Justiça. Duas pessoas ficaram feridas. Houve manifestações de menor importância também em Porto Alegre e, em dias anteriores, em Goiânia e Natal. E sexta-feira chegou a vez de Brasília, onde o protesto foi contra os gastos com obras para a Copa do Mundo. Os manifestantes atearam fogo em pneus em frente ao Estádio Mané Garrincha.
A facilidade com que os grupos que organizam os protestos conseguem mobilizar descontentes de todos os tipos pelas redes sociais dá o que pensar. O mesmo se pode dizer de depoimentos de alguns manifestantes. A exemplo de um estudante de psicologia da Unesp, ouvido pelo jornal O Globo, outros participantes dos protestos já estão levantando, ao lado do aumento das tarifas de transporte coletivo, problemas nas áreas de saúde e educação. Sem falar no descontentamento com as despesas bilionárias da Copa. Some-se a isso tudo o fato de normalmente os protestos contra tarifas serem menos violentos e muito mais breves.
Parece haver aí algo que ultrapassa as fronteiras partidárias e ainda não foi bem compreendido. E isso é fundamental para que as autoridades possam saber em que terreno estão pisando. Mas, independentemente desse entendimento, é fundamental que todos os que têm uma parcela de responsabilidade na questão, especialmente os que cuidam da segurança pública, mantenham o sangue-frio. A polícia precisa agir com muito rigor, porque, sobretudo, as grandes cidades como São Paulo e Rio não podem ser entregues ao descontrole da violência. Tudo deve ser feito, porém, para evitar excessos, até mesmo para não dar aos radicais o pretexto que querem para novos atos de vandalismo.
Nesse contexto, é de lamentar as atitudes nem sempre claras do prefeito Fernando Haddad, que ora se diz aberto ao diálogo com quem quer tarifa zero, ora diz que não recua do aumento, ora condena o vandalismo dos manifestantes, ora alega que tem havido excesso da PM. Quem está no poder tem de pagar o preço de atitudes nítidas, em especial em momentos de crise.