Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rede está virando uma ferramenta de vigilância

O escândalo do acesso a dados de usuários por parte do governo do EUA reforça uma constatação cada vez mais evidente: a internet (e outras redes) estão se convertendo em sistemas massivos de vigilância. Os EUA enfrentam agora uma situação paradoxal. A ex-secretária de Estado Hillary Clinton rodou o mundo disseminando a ideia de uma paz americana para a rede. Ela enfatizou seu papel para a democracia, citando as revoluções árabes. Enquanto o discurso acontecia, nos bastidores, os EUA punham em prática seu sistema secreto de vigilância, de fazer inveja às posturas da China. Fica a impressão que os EUA foram libertários no discurso e liberticidas na prática.

Para que a internet não se transforme em máquina universal de vigilância, o único antídoto é a lei. Somente ela pode impor limites ao uso desenfreado. Nem a política, fatores econômicos ou a própria tecnologia são capazes de prevenir o crescimento do panopticon digital. Por essa razão, as constituições democráticas estão sendo postas à prova. O que significam a proteção à privacidade, as liberdades civis e o devido processo legal quando aplicados à internet? A justificativa de Obama foi que, nos EUA, todo o sistema foi aprovado antes pelo Congresso e que mudanças deveriam receber o mesmo aval.

Já no Brasil permanece um grande vácuo legislativo. O Marco Civil da Internet, projeto que visa a proteger os direitos dos usuários com relação ao tema, permanece parado na Câmara. Enquanto isso, o vazio é preenchido pela Anatel. Em agosto de 2012, a agência outorgou-se poderes para acessar diretamente os registros das chamadas telefônicas de todos os usuários no país. Em maio de 2013, por meio de resolução, obrigou os grandes provedores de internet a guardarem todos os registros de conexão dos usuários por um ano. A justificativa é, respectivamente, fiscalizar a qualidade dos serviços e coibir crimes.

Mas pode a Anatel regulamentar questões tão complexas por meio de resolução? Não seria esta uma competência privativa da lei? São questões que, tais como muitos aspectos do escândalo nos EUA, permanecem sem resposta em nosso país.

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Ronaldo Lemos é colunista da Folha de S.Paulo