Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sociedade e Estado violam “santidade” da vida privada

O temor de que o governo possa coletar ou documentar agressivamente informações pessoais ou confidenciais parece quase antiquado hoje em dia.

Afinal, a “santidade” da privacidade e da individualidade já não foi sacrificada no altar da segurança nacional?

Cada transgressão do governo, dos hackers ou das empresas não é mais uma prova de que os romancistas distópicos de antanho -os Orwells, Huxleys e Gibsons- estavam essencialmente certos?

Teóricos da conspiração tiveram muito pano para manga nas últimas semanas -as notícias sobre a violação do sigilo telefônico de repórteres da Associated Press pelo FBI e da vigilância eletrônica sobre um repórter da Fox News.

As queixas sobre esses casos levaram o presidente Barack Obama a determinar uma revisão das táticas do Departamento de Justiça para a busca de informações sobre vazamentos.

Em maio, repórteres da Bloomberg News também foram flagrados numa bisbilhotice excessiva ao coletarem informações privadas dos seus assinantes em seus terminais de dados.

“Tantas linhas estão sendo cruzadas em tantas direções que é difícil acompanhar quem são as vítimas e quem são os infratores”, escreveu David Carr, do “New York Times”.

“Sempre houve um jogo de gato e rato entre o governo e a mídia, entre os que cobrem e os que são cobertos, mas a crescente dependência em relação à tecnologia transformou em arma algo que costumava exigir habilidades de espião e sola de sapato.”

Algo perturbador

Falando sobre quem se deve temer, Carr escreveu: “Vale lembrar que em filmes assustadores -vide 'Minority Report: A Nova Lei'- sobre o iminente Armagedom informativo, não é só o governo que está espreitando”.

Essa opinião é aparentemente compartilhada por Julian Assange, editor-chefe do site WikiLeaks. Escrevendo no “Times” sobre o livro “The New Digital Age” [A nova era digital], de Eric Schmidt e Jared Cohen, do Google, Assange equipara essa empresa às mais invasivas forças da sociedade.

“O avanço da tecnologia da informação representado pelo Google prenuncia a morte da privacidade para a maioria das pessoas e lança o mundo na direção do autoritarismo”, escreveu, aparentemente sem ironia, embora ele seja em grande parte o responsável por uma das maiores desovas de dados confidenciais já ocorridas.

Assange escreve que o trecho do livro sobre “autocracias repressivas” “descreve, de forma desabonadora, várias medidas repressivas de vigilância: legislação para inserir portas traseiras em softwares que permitam a espionagem de cidadãos, o monitoramento de redes sociais e a coleta de inteligência sobre populações inteiras. Tudo isso já está disseminado nos Estados Unidos. Na verdade, algumas dessas medidas -como a ofensiva para exigir que todo perfil em redes sociais esteja vinculado a um nome real- foram encabeçadas pelo próprio Google”.

O impulso de proteger a privacidade não se limita a disputas de poder nas arenas política e econômica. Os artistas também precisam ficar atentos.

“The Neighbors” [Os vizinhos], exposição do fotógrafo Arne Svenson em cartaz em Nova York, inclui fotos feitas com uma teleobjetiva mostrando moradores do prédio em frente ao dele, em Manhattan. Algumas dessas pessoas, retratadas em momentos íntimos nas suas casas, reconheceram-se e se queixaram.

Svenson, escreve Kathy Ryan no “Times”, “tomou o cuidado de pecar pelo excesso de discrição ao só exibir imagens em que as identidades dos seus personagens estão obscurecidas”.

No entanto, observa ela, “há algo de profundamente perturbador na percepção de que alguém está observando você pela sua janela”.

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Peter Catapano, do New York Times