Ele me chamava de “Brassbanner”, pseudônimo com nome duplo no estilo da Agência de Segurança Nacional (NSA, pela sigla em inglês). “Verax” foi o pseudônimo que escolheu, para ele, que significa “o narrador da verdade” em latim. Perguntei a ele, sem resposta, se o objetivo do nome estaria ligado à alternativa que teria à frente.
Dois dissidentes britânicos usaram o mesmo pseudônimo: Clement Walker, um detrator do Parlamento no século 17, morreu na prisão brutal na Torre de Londres. Dois séculos depois, o crítico social Henry Dunckley, adotou “Verax” como codinome para assinar suas colunas semanais no Manchester Examiner.
Edward Joseph Snowden, de 29 anos, sabia muito bem dos riscos que corria e as formidáveis forças que logo seriam colocadas à sua caça. Usar um pseudônimo foi uma de suas precauções enquanto nos correspondíamos a distância. Ele estava revelando alguns dos mais sensíveis segredos de um aparelho de segurança que cada vez mais detestava. No fim de maio, achava que já estava “no ponto X”, ou seja, em risco de exposição iminente. “Compreendo que sofrerei minhas ações, que ao serem passadas para o público isso significará o meu fim”, escreve antes do nosso primeiro contato direto. E alertou que os que acompanhavam sua história corriam risco até que ela fosse publicada.
A comunidade de inteligência dos EUA, escreveu, “certamente o matará se achar que você é o único ponto de vazamento”. Não acreditei nisso, literalmente, mas sabia que ele tinha razões para temer.
Uma série de contatos indiretos precedeu nosso primeiro encontro direto em 16 de maio. Snowden ainda não se dispunha dar seu nome, mas disse estar certo de que estava exposto.
Disse que a análise semântica, outro dos recursos usados pela NSA, o identificaria por seu tipo de linguagem. “Você não pode proteger a fonte, mas se me ajudar a revelar a verdade, considerarei uma troca justa”, escreveu. Mais tarde, acrescentou: “Não tenho salvação”. Perguntei-lhe, mesmo correndo o risco de ele se afastar, como justificava revelar os métodos usados pela inteligência que poderiam beneficiar adversários dos EUA.
“Talvez eu seja ingênuo”, respondeu. “Mas acho que neste ponto da história, o maior perigo para nossa liberdade e estilo de vida vem do temor racional dos poderes oniscientes do Estado.” A expansão vigorosa dos poderes de monitoramento, escreveu, “é tamanha ameaça direta à governança democrática que estou arriscando minha vida e minha família por isso”.
Num e-mail do dia 24, Snowden lançou a bomba. Antes dele informantes foram destruídos por causa desse tipo de experiência.
Para efetivar seu plano, Snowden quis garantias de que The Washington Post publicaria num prazo de 72 horas o texto inteiro de uma apresentação em PowerPoint, no qual era descrito o Prism, um sistema de vigilância altamente secreto que reunia informações de inteligência da Microsoft, Google, Facebook e outras gigantes do Vale do Silício.
E pediu também para o Post publicar online uma senha criptografada que ele usaria para provar para alguma embaixada estrangeira que era a fonte dos documentos.
Disse-lhe que não ofereceríamos nenhuma garantia quanto ao material a ser publicado ou quando.
Consulta
O Post deu a notícia duas semanas depois, na quinta-feira. O jornal pediu a opinião de autoridades do governo quanto aos danos potenciais para a segurança nacional antes da publicação e decidiu reproduzir apenas 4 dos 41 slides.
Snowden respondeu sucintamente: “Lamento que não conseguimos manter este projeto unilateral”. Logo depois, entrou em contato com Glenn Greenwald, do jornal britânico Guardian.
Continuamos nossa correspondência.
“A internet em princípio é um sistema para o qual você se revela a fim de aproveitar plenamente, o que a diferencia de, digamos, um aparelho que reproduz música. É uma TV que o observa. A maior parte das pessoas nos países desenvolvidos passa no mínimo algum tempo interagindo com a internet e os governos estão abusando em segredo dessa necessidade para ampliar seus poderes além do necessário e do que é apropriado”, escreveu. “Não estou afirmando que não dou valor às informações de inteligência, mas me oponho à… vigilância generalizada, automática e maciça.”
Um dia antes de publicar a primeira matéria, fiz contato com ele por meio de um novo canal. Ele não me esperava e respondeu alarmado. “Eu o conheço?”, perguntou.
Enviei-lhe uma nota por um outro canal para verificar minha “impressão digital” online, precaução que usamos há algum tempo. Cansado, enviei a errada. “Esta não é sua impressão digital correta”, ele escreveu, pretendendo encerrar a comunicação.
Rapidamente corrigi meu erro. “A polícia já esteve em minha casa esta manhã, perguntando pelo meu paradeiro”, escreveu, explicando seu nervosismo. “Isso obviamente teve um impacto profundo e terrível sobre minha família.”
Apesar da nossa conversa anterior relacionada à publicação do documento Prism na íntegra, Snowden disse que não pretendia divulgar uma pilha de documentos para o mundo sem fazer uma edição deles.
Na noite de domingo, com seu nome sendo divulgado para o mundo. Snowden conversou comigo pela internet. “Não existe nenhum precedente em minha vida desse tipo de coisa”, escreveu. “Fui espião por quase toda a minha vida adulta e não quero ficar sob os refletores.”
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Barton Gellman, do Washington Post