Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Viva a vaia

No começo pareceu-me mais um fato estético. Uma espécie de performance que procurava mimetizar a coreografia dos movimentos jovens no mundo islâmico e das manifestações anticapitalistas dos anos 2000. Tinha dúvida se um aumento de R$ 0,20 nas tarifas seria forte o bastante para justificar passeatas e o ânimo radical dos manifestantes. Pensei que tudo se resumiria a um simulacro ruidoso, fadado a evaporar no asfalto da cidade.

Outras marchas vieram e eis que na quinta-feira (13/6) fui ver ao vivo. Acompanhei a manifestação da praça da República à rua Maria Antonia. Jovens de classe média misturados com gente das ruas, manos, punks, rastas e alguns pichadores da perifa, na bronca.

Chamou-me a atenção o tom bem-humorado (ufa!) de alguns manifestantes e seus cartazes.: “Ô burguesia, não se assuste não, é só um protesto contra o aumento do busão”… Uma amiga contou que colegas da escola da filha dela mandaram essa: “Que vergonha, busão mais caro que maconha”. “Como é bom ser jovem”, teria comentado a avó prafrentex ao saber da história.;)

E a marcha seguia, transpirando vitalidade. Vontade de manifestação. E bombas de gás sexy no ar.

Debate sem imaginação

Não é só a tarifa, estúpido, pensei comigo. É uma “manifestação-ônibus”, que carrega muitas causas (talvez nem por inteiro formuladas) e catalisa a insatisfação difusa que se sente no ar.

A vaia, baby. Viva a vaia.

Sim, tinha gente a fim de barbarizar, tacar fogo e mandar spray em agências bancárias. O “vandalismo”, afinal, existe no dia a dia da cidade. Não é novidade. Quem acompanha futebol, por exemplo, sabe que o pau quebra quase que semanalmente. Vi manifestantes tentando conter os mais afoitos. E um dos coros que se repetia era “sem violência, sem violência”.

Mas no meio do caminho estava a tropa. E começou a batalha campal. O jornalista Elio Gaspari relatou nesta Folha o que eu vi. Bloqueio sem nenhum sentido na Maria Antonia, a fim de deflagrar o confronto –o que, aliás, faz parte do enredo de manifestações desse tipo desde sempre.

O que me parecia um fato estético, já se tornou um fato político, com repercussões –e adesões– mais amplas do que se poderia inicialmente supor. O anestesiamento dos protestos por parte do PT, que virou o PRI brasuca, está rompido. Vazou.

Tentou-se, como de costume, enfiar a novidade no debate ideológico sem imaginação que se trava na blogosfera e na mídia. As mentes binárias que explicam tudo com meia dúzia de certezas de direita ou de esquerda.

“Direito de ir e vir”

Os “progressistas” tentaram livrar a cara do prefeito e por toda a culpa na imprensa e na PM tucana. E os neocons começaram a repetir, nervosinhos, suas aborrecidas aulas de moral e cívica. As manifestações seriam atos de vândalos esquerdistas equivocados que só serviam para quebrar vidraças e atrapalhar a fluidez do trânsito. Lembrei-me de “Construção”: “Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.

Bem, se há alguma coisa de estrutural que atrapalha o “direito de ir e vir” em São Paulo é a precariedade do transporte público e o incentivo de sucessivos governantes ao uso do automóvel. Ou será que a solução é construir um “Manifestódromo” fechado com patrocínio de uma marca de cerveja?

PS– Nos vemos hoje no largo da Batata, baby?

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Marcos Augusto Gonçalves é colunista da Folha de S.Paulo