Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Zero por cento de segurança

“Não é possível ter, ao mesmo tempo, 100% de segurança e 100% de privacidade com inconveniência zero.”

Com essa frase, digna do cinismo mais patético, o presidente Barack Obama tentou justificar o fato de seu país ter se transformado em um verdadeiro ciber-Estado policial.

Graças à imprensa, descobrimos que o governo norte-americano usa o dinheiro dos contribuintes para espionar suas próprias vidas, por meio do monitoramento contínuo de ligações telefônicas e atividades na internet. Mas eles podem ficar tranquilo, pois, como disse Barack, “não vemos o conteúdo das ligações, só a duração e os números”. Esta é a sua maneira de glosar o slogan preferido de Bill Clinton: “Fumei, mas não traguei”.

Julian Assange, o mais conhecido preso político das ditas democracias liberais, já havia advertido: “A internet, nossa maior ferramenta de emancipação, está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitaris- mo que já vimos”.

Com a invenção do fantasma da ameaça terrorista permanente, os Estados democráticos encontraram, enfim, uma justificativa para agirem, de fato, como Estados totalitários, fazendo a Stasi [polícia secreta da antiga Alemanha Oriental], com suas técnicas grosseiras de vigilância, parecer uma brincadeira de criança.

Submissão voluntária

Ninguém precisa grampear seu telefone ou colocar um espião na sua cola quando tudo o que você escreve alegremente no Facebook acaba, necessariamente, nas mãos de um iluminado da Agência de Segurança Nacional (NSA).

Eu mesmo tenho uma ideia: por que não colocar câmeras de observação nas televisões, em vez de só se focar nos telefones e na internet? George Orwell já demonstrou como essa técnica pode ser eficaz.

Mas a boa questão levantada pela frase de Obama é a seguinte: afinal, de onde veio a ideia demente de que precisamos de 100% de segurança?

Nunca nos livraremos de jovens desajustados que montam bombas caseiras ou fanáticos empunhando machadinha. Não há absolutamente nada que possamos fazer para evitar isso. Podemos minorar a letalidade dessas pessoas controlando a circulação de armas, e só.

O verdadeiro problema é termos chegado à situação de todo um país entrar em pânico quando se associa um crime comum à palavra “terrorismo”. Pois, ao tentar realizar o sonho dos 100% de segurança, como se nossa utopia social fosse um paraíso de condomínio fechado, acabamos por acordar no pesadelo de um Estado que vira, ele sim, a fonte da pior das inseguranças.

A insegurança da submissão voluntária ao controle contínuo de alguém que reforça sua autoridade alimentando-se de nossos medos. A insegurança do fim da vida privada.

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Vladimir Safatle é colunista da Folha de S. Paulo