Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As respostas rápidas e descentralizadas do movimento

O que impressiona no movimento “Não é só por 20 centavos” é a capacidade de dar respostas rápidas e descentralizadas para questões que se apresentam. Primeiro se questionou: são só por 20 centavos?! Logo surgiu o slogan: “Não é por 20 centavos, é por direitos.” Vídeos caseiros de pessoas isoladas, charges e imagens respondiam ao comentário de Jabor, Ronaldinho e Pelé que logo fizeram seu mea culpa diante da reação dos internautas, em uma queda de braço inédita onde a mídia e seus personagens são desqualificados. Questionou-se também a legitimidade do movimento pelo vandalismo. Em seguida manifestantes pacíficos saíram de branco nas ruas em sinal de paz, mães e pais levaram seus filhos para as ruas e manifestantes escreveram sua posição em cartazes como um que dizia: “O vândalo que quebra é filho do governo que rouba”.

Criaram estratégias de se diferenciarem de quem se aproveita das manifestações. Inclusive frente aos partidos políticos. A hostilidade nas ruas e os cartazes enfatizam o apartidarismo dos manifestantes, que entendem a filiação como uma maneira de dividir o país. Um deles afirmava: “Direita? Esquerda? Eu quero é ir para frente!” Pobres, ricos, sem partido juntam-se por razões diversas. E essa é a pergunta que aos pouco vai sendo respondida: O que querem? Um brasileiro, um artesão paulista, deu uma verdadeira aula em um vídeo de seis minutos no YouTube nomeado “O homem que calou o governo e o Brasil”, ao enumerar com lucidez e clareza todos os problemas do país. O fez sem preconceito de classe e de forma apartidária – o número de visualizações do vídeo é sintoma do ânimo compartilhado dos manifestantes. Ou a estudante Carla, que em inglês e com recursos de edição montou uma clara explicação no vídeo intitulado “No. I not going to the Word Cup” argumentando com consistência porque o país do futebol passou a tornar a Copa um evento indesejável. Brasileiros preparados de diversas classes e com motivações individuais emergem na cena pública.

Apresentação de projetos de lei

Sim, são muitas questões colocadas porque, de fato, há um acúmulo delas. Mas, há de se entender também que essa diversidade de insatisfações diz muito sobre a nova natureza dos movimentos sociais. Uma união espontânea, que não se orienta por um único interesse, por um líder. Uma mobilização que produz uma inteligência coletiva, mas que ao mesmo tempo consegue manter as motivações individuais. O que une essas pessoas com inquietações particulares é uma direção comum: um país melhor. Basicamente um lugar que seja intolerante com a corrupção dos funcionários públicos e que priorize a saúde, o transporte, a segurança e a educação. Simples assim.

Definir um tema seria enfraquecer o movimento, como perceberam os brasileiros ao afirmarem que não era apenas pela diminuição da passagem de ônibus. Mas, não saber como realizar a grande lista de insatisfações é também correr o risco de dissipar toda essa energia. E por mais ambiciosas que pareçam ser essas pretensões elas podem, sim, ser colocadas em marcha. Como?

Está previsto na Constituição Federal a possibilidade da sociedade apresentar projetos de lei à Câmara dos Deputados, contanto para isso com um número mínimo de assinaturas: 1% do eleitorado, distribuído por pelo menos cinco estados.

“A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles” (art. 61, § 2º, CF).

Uma verdadeira revolução

Já a conhecemos usamos a Lei de Iniciativa Popular uma vez para a criação do Ficha Limpa. Seus organizadores, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, liderados pelo juiz Márlon Reis acaba de lançar uma nova convocatória para assinar um novo Projeto de Iniciativa Popular, chamado “Eleições Limpas” ou Reforma Política Já (http://eleicoeslimpas.org.br/). Este pode ser a resposta correta e efetivamente transformadora para as demais propostas, funcionando inclusive como antídoto a projetos de Lei propostos por deputados que não representam a vontade da maioria. Assim podemos escrever uma anti-PEC 37, reforçando o poder do ministério público e tornando a corrupção um crime hediondo, ou ainda reforçar o direito da opção sexual impedindo qualquer tido de coerção como antidoto para a cura gay. É simples escrever um projeto de lei, há inclusive modelos no site da Câmara, no link: http://www2.camara.leg.br/participe/sua-proposta-pode-virar-lei

O único impedimento é que a lei foi feita antes na existência da internet e precisa ser atualizada para facilitar o acesso e participação de todos. Não prevê a assinatura eletrônica, que poderia garantir que possamos participar através de nossos computadores ou dispositivos móveis.

Quem sabe pressionar por sua aprovação ou contribuir com o novo projeto de lei Eleições Limpas (que prevê a mudança para assinatura eletrônica) seja o início de todas as mudanças que desejamos. Essa, sim, seria uma verdadeira revolução: encontrar o mecanismo legal para a participação direta.

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Isabelle Anchieta é jornalista, professora universitária, doutoranda no curso de Sociologia da USP e mestre em Comunicação Social