“Nenhuma imagem é inocente.” (André Gazut)
No Brasil, a televisão cresceu e tornou-se hegemônica durante os anos da ditadura militar. Nunca foi muito “democrática”. No telejornalismo, o modelo “eu falo sozinho e mostro as imagens com exclusividade para todos” criou o Jornal Nacional e garantiu a liderança de audiência durante mais de 40 anos. Os tempos mudaram e, pelo jeito, o Brasil também. O modelo de TV e de telejornais continua a existir, mas está sendo constantemente desafiado pelo público que prefere se informar nas redes sociais na internet.
Hoje, para ver e ouvir o que está acontecendo durante os protestos no Brasil, muitos, principalmente os mais jovens, preferem ignorar a TV e recorrer exclusivamente à internet. Eles não são necessariamente ingênuos, alienados ou “ignorantes políticos”.
Eles, assim como tantos brasileiros, estão cansados com o modelo único de governo, aquele que “rouba mas faz”, ou de jornalismo, aquele que “monopoliza, controla e manipula” as informações.
Quem pôde comparar a cobertura dos protestos nos telejornais brasileiros com a das redes sociais, teve a oportunidade de constatar que a TV finalmente “subiu no telhado”. Literalmente.
Agressões e hostilidades
Nunca dantes na história da TV brasileira tantos repórteres de tantas emissoras, em quase todas capitais, se refugiaram no conforto e segurança do alto dos prédios vizinhos às manifestações. Outros jornalistas transmitiram os protestos ao vivo direto das cabines de helicópteros em vez de enfrentarem os riscos e ameaças do asfalto.
E eles têm razão.
Assim como o governo demonstra estar completamente fora de sintonia com os anseios da população brasileira, os nossos telejornais também estão completamente alienados às expectativas informacionais de seus telespectadores. Afinal, o povo não é e nunca foi bobo.
É muito difícil ser repórter de TV, principalmente, repórter da Rede Globo.
As imagens que mostram os manifestantes “hostilizando” e impedindo o trabalho do famoso, consagrado e premiado repórter da Rede Globo Caco Barcelos demonstram que nem todos apreciam ou aceitam seu trabalho na emissora (ver aqui).
Trabalhar em televisão, assim como exercer a função de jornalista em determinados veículos, é uma decisão pessoal. Esta decisão implica deveres, direitos e obrigações. Mas o público não tem que concordar com essas decisões pessoais e profissionais.
Se hoje podemos protestar contra os aumentos nas tarifas de ônibus, a corrupção ou o governo, também podemos nos opor às empresas de jornalismo, às emissoras de TV e seus profissionais.
Canoplas ocultas
O governo e a televisão brasileiros estão muito preocupados com os protestos populares. Ambos têm muito a perder.
Por um lado, a presidenta Dilma Rousseff fez um pronunciamento à nação, em rede nacional de TV, para tentar explicar o inexplicável (ver aqui). Por outro, a Rede Globo também considerou necessário responder as críticas, hostilidades e agressões: “Globo diz que não tem ‘nada a esconder’ em cobertura dos protestos. ‘A TV Globo vem fazendo reportagens sobre as manifestações desde o seu início e sem nada a esconder’, disse Patrícia Poeta’” (ver aqui).
Além das explicações, a Rede Globo também enfrentar as dificuldades na cobertura dos protestos com duas soluções criativas e originais, porém perigosas para o futuro da cobertura televisiva.
A primeira foi a “descaracterização” da cobertura das emissoras de TV, ou seja, a retirada, dos microfones, das canoplas utilizadas pelos repórteres de vídeo. É importante lembrar que assim como o microfone é a “arma” do repórter de TV, a canopla é a “identificação” funcional da emissora para a qual o repórter trabalha. Além da questão ética, isso implica um ocultamento do destino final da cobertura jornalística. Com a desculpa da segurança, tenta-se excluir uma informação importante para o público que participa das manifestações.
É importante que todos possam identificar para quem o jornalista está trabalhando. Assim como esperamos que os policiais que também trabalham durante as manifestações possam ser identificados com nome e unidade militar, os manifestantes também têm o direito de saber para quem eles estão falando, quem está captando suas imagens e como essas imagens serão utilizada nos telejornais.
Esconder ou retirar as canoplas não resolve o problema. Assim como alguns manifestantes resolvem “esconder” seus rostos para praticar “atos de vandalismo”, ocultar a canopla, a identidade profissional do jornalista, cria um distanciamento ou desconfiança do público em relação ao seu trabalho.
Se alguns manifestantes hostilizaram repórteres, isso não deveria ser razão para que uma emissora decida que a partir de agora todos os jornalistas trabalharão “disfarçados” de jornalistas, sem emissoras identificadas. Em protestos populares que se espalham por todo o Brasil, não há manifestantes, policiais, jornalistas ou imagens “inocentes”.
Prover segurança adequada para o trabalho de seus profissionais ou fazer uma cobertura melhor, mais equilibrada e menos sensacionalista talvez seja uma solução melhor do que ocultar as canoplas ou colocar os repórteres no alto dos telhados, longe das hostilidades, porém distantes dos fatos.
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Antonio Brasil é jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina