Nas últimas semanas, ao cair da tarde, milhões de brasileiros têm feito as mesmas perguntas: haverá manifestação hoje? Onde? Quem está protestando e pelo quê? Como a polícia e as autoridades estão se comportando? Quais são as origens, extensão e significado desse fenômeno?
As questões mais profundas seguem sem resposta imediata, mas para lançar luz a todas elas o caminho parece passar justamente por uma prática que vem sendo escanteada por uma boa parcela dos jovens ultraconectados de hoje, muitos dos quais, aliás, estiveram nas ruas nos últimos dias: o jornalismo.
Não à toa, para obter respostas, ainda que provisórias, os brasileiros ligam as TVs, que batem recordes de audiência vespertina, sintonizam rádios noticiosas, navegam por sites jornalísticos. E, no dia seguinte, procuram análise, opinião e consolidação dos fatos nos jornais impressos.
Blogs de manifestantes ou de curiosos em geral, depoimentos esparsos de testemunhas e tweets de trabalhadores na Avenida Paulista oferecem, sem dúvidas, subsídios interessantes e uma poderosa ambientação aos acontecimentos. Não são, contudo, jornalismo. E, por isso, de pouco nos valem nesta hora de muita cacofonia, muita superficialidade e pouca interpretação consistente dos fatos. A ironia: há poucos dias discutia-se justamente o espectro da crise sobre empresas de comunicação no país, trazido à tona pelas demissões de jornalistas realizadas no início do ano. Mas estaria o jornalismo também em crise, já que hoje podemos acessar direta e facilmente as fontes de informação, dispensando mediadores? Se posso entrar no perfil do Facebook de um manifestante e ter informação “em primeira mão”, qual o sentido de ler jornal?
Outra bandeira
De repente, tudo parece se alinhar em uma mesma trama. Há tempos se fala em “crise de representação” política no mundo pós-Zuckerberg. Afirma-se que os partidos políticos, diante da massificação da internet, perdem espaço para a utopia de uma democracia direta total. “Nenhum partido me representa”, gritam os cartazes dos manifestantes. Sobra também para o jornalismo, que perderia relevância nesse cenário. E culmina com 65 mil pessoas nas ruas, segundo cálculo do Datafolha (e não de um tuiteiro espectador dos fatos), protestando na capital paulista.
Para entender todos esses fenômenos precisamos de mais jornalismo. A turma que deu o primeiro passo – “saímos do Facebook”, li em mais de um cartaz durante as manifestações dos últimos dias – exerce um direito democrático e deve saber que não há maior aliado das democracias do que o bom jornalismo. Não há, pois, exemplo de democracia sem imprensa livre e de imprensa livre sem democracia. Livre, porém anêmica, não nos serve: é preciso fortalecer imprensa e jornalismo, fonte de reflexão para que entendamos manifestações como essas através de relatos seguros e confiáveis, analíticos e profundos.
Nesse sentido convém lembrar a conhecida frase do escritor Arthur Miller, que em 1961 escreveu que “um bom jornal é uma nação falando consigo mesma”. Mas quem está ouvindo?
A agenda dos manifestantes é difusa, nela parecem caber inúmeras demandas. Ao contrário dos que exigem que se defina uma bandeira única, sugiro uma adicional, também urgente. Mais jornalismo, por favor.
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Renato Essenfelder é jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e professor de Jornalismo nas universidades Mackenzie e ESPM, em São Paulo