Como jornalista vivendo no Chile, impossível ficar isenta aos protestos que tomaram as ruas do Brasil nos últimos dias. Fazendo uma comparação com o Brasil, acredito que vale a pena uma análise das manifestações que eu vi aqui no Chile.
O Chile tem tradição em protestos. Afinal, o país viveu uma ditadura militar por 17 anos que acabou em 1990, ou seja, bem recentemente. Isso quer dizer que um jovem de vinte e poucos anos tem na memória a lembrança do toque de recolher. Essa proximidade com o que aconteceu num passado bem terrível ajuda a compreender o espírito aguerrido dos chilenos. As pessoas acompanharam e viveram as transformações que consolidaram a democracia no país.
O principal motivo das passeatas no Chile é a educação. Diferente do Brasil, os chilenos não têm a oportunidade de estudar numa universidade grátis. Aqui, o ensino superior é pago. O si, o si. As universidades públicas também cobram mensalidade. Para conseguir uma bolsa, o critério utilizado é a meritocracia e a situação socioeconômica.
Algumas pessoas conseguem burlar o sistema e, mesmo que tenham como pagar, são beneficiadas com a isenção. Com esse funil, é fácil imaginar que bem menos pessoas têm acesso ao ensino superior de qualidade aqui. Essa é uma causa mais do que legítima. Talvez, por isso mesmo, as manifestações sejam tão massivas, com grande número de pessoas participando.
Cada povo tem o protesto que merece
O movimento sempre é convocado por alguma entidade ou associação. No final, os porta-vozes do movimento concedem entrevistas coletivas aos meios de comunicação. Foi assim que surgiu a musa Camila Vallejo e tantos outros líderes estudantis que sempre acabam entrando na vida política. Todos integram algum partido político que tem sua própria ideologia e suas bandeiras.
Nem tudo é festa nas passeatas. Quando terminam, muitas vezes, aparecem os encapuchados. São pessoas que cobrem o rosto e, apoiadas no anonimato, depredam o que veem pela frente. Geralmente, assim começam os confrontos com a polícia chilena, os carabineros. Eles usam balas de tinta, como no paint ball, para identificar os manifestantes. Também usam gás lacrimogênio e caminhões-tanque de água para dispersar a multidão. Os jornalistas que trabalham na cobertura destes eventos obviamente não se sentem bem porque sabem dos riscos que correm. Aqueles que trabalham para meios de comunicação mais tradicionais (caso do El Mercurio) escondem a credencial porque temem trabalhar no meio da massa enfurecida. Así no más.
De tudo o que tenho visto nos protestos do Brasil, a única coisa em comum que vejo é a ação descontrolada do que seriam os encapuchados chilenos. Lamentavelmente. Mas já faz tempo que um certo conde disse: “Cada povo tem o governo que merece.” Nesse caso, eu diria que cada povo tem o protesto que merece.
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Isabela Vargas é jornalista, Santiago, Chile