Dias depois dos inícios dos protestos que tomaram as ruas de grandes cidades do país, a postura da polícia foi modificada (deixando de ir ao combate), os temas reinvindicados também se alteraram (muito além de R$ 0,20) e até a cobertura da imprensa, de modo geral, passou por mudanças (com mais destaques aos eventos que levaram milhares a passeatas). Uma ação de parte dos manifestantes, entretanto, não mudou: ofensas a veículos de comunicação, em especial à Rede Globo.
Em certos momentos, xingamentos foram direcionados aos repórteres globais que estavam nas ruas justamente para cobrir os protestos. No Comunique-se, repercutiu-se a notícia que, na última quinta, 13, Vandrey Pereira teve que deixar a cobertura da manifestação no Rio de Janeiro sob escolta de seguranças da empresa. Nessa segunda, 18, foi a vez de a equipe do ‘Profissão Repórter’ ouvir termos hostis contra o canal. Caco Barcellos e um cinegrafista da atração foram “expulsos” do evento.
Movimentos como o ‘Passe Livre’ e outros que surgiram nas últimas semanas são válidos. Mostram que o brasileiro, desde jovens a idosos – passando por executivos engravatados –, está cansado da atual situação. Cansou de saber que muito dinheiro público está sendo usado para realizar a Copa do Mundo mais cara da história. O povo demonstra que o momento do basta chegou. E irá às ruas quando considerar necessário. O basta, as manifestações e os gritos de guerra precisam de direção. O alvo, porém, deve ser a estrutura política do país, não a mídia.
O que manifestantes parecem não lembrar, uma vez que as ações agora vão além do aumento da passagem do transporte público, é que assuntos citados durante os protestos são de conhecimento geral graças ao trabalho da imprensa. Há anos que a editoria de esporte deixou de divulgar apenas os resultados da semana. Relatos da gastança na construção das arenas para a Copa de 2014, por exemplo, são divulgados por jornais, emissoras de rádio, TVs e portais noticiosos.
País melhor
Criticar a imprensa parece ser, por vezes, o caminho mais fácil. Muitos – nem mesmo em manifestações, mas pelas redes sociais – costumam se referir a determinados veículos de comunicação como “alienadores” da sociedade. Como se fosse culpa da emissora X ou da revista Y a situação da educação do Brasil – com analfabetismo funcional e professores apanhando de alunos (citar o quesito salário desses profissionais é baixaria). Pelo contrário, a mídia denuncia e expõe essas aberrações existentes por aqui.
Relembrar casos de manifestações que tiveram sua origem (ou relação) no que foi reportado pela imprensa é importante. No impeachment de Collor, em 1992, tivemos os “Caras Pintadas”. Mas será que esse movimento existiria com a tamanha força caso tantos jornais e revistas não dedicassem espaços em suas páginas, em suas manchetes, para o que acontecia na “República de Alagoas”? Os “Caras Pintadas” iriam às ruas se a mídia não divulgasse sem cessar o esquema envolvendo PC Farias?
Avaliar a conduta da imprensa é válido em qualquer situação, em qualquer país, ainda mais em uma democracia. Mas enxergar a mídia, ou parte dela, como a grande vilã do Brasil é delírio. Repetir “Sai daqui” para Caco Barcellos ecoa até como ironia (da mais sem graça possível). Pena que, no evento dessa segunda, não foi. Ele é simplesmente o jornalista responsável pela obra que denunciou a postura agressiva – e até homicida – da Rota, tropa da Polícia Militar de São Paulo. Polícia essa que atuou contra manifestantes na semana passada.
Coube a Caco abandonar a tentativa de acompanhar o protesto realizado na capital paulista nessa segunda. Ele sabe que, em suma, a crítica não foi contra ele, mas à empresa em que trabalha. “Central Globo de Mentiras” e “Fora Globo” foram algumas das frases gritadas por manifestantes. Postura que leva a crer que foi a emissora quem prometeu durante campanha eleitoral criar o bilhete único mensal a R$ 145,00 e, depois de cinco meses à frente da Prefeitura, decidiu jogar a tarifa de ônibus para R$ 3,20.
Ir às ruas protestar é democrático. Porém, é necessário se atentar para não criar inimigos que nunca existiram e, por tabela, esquecer de quem merece ser cobrado. Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado que o diga. Antes de repudiar a Globo ou outro veículo de comunicação vale a reflexão: a mídia foi quem deixou o Brasil como está? Editor da Veja em Brasília, Daniel Pereira usou o Facebook para externar a verdade. “Acham a Globo vendida, odeiam a Veja? Paciência, mudem de canal, leiam outra revista. Ninguém é dono da verdade, e violência, qualquer violência, tem de ser condenada – e não só a policial”.
A democracia está representada nos protestos que desde a semana passada são realizados no Brasil. A democracia está representada na liberdade de expressão. Emissoras de TV, jornais e revistas não são obrigadas a elogiar ou destinar 100% de seus conteúdos para essas manifestações. Sim, a democracia também está representada nas críticas contra os meios de comunicação. Tenho certeza, contudo, ser muito melhor acompanhar grupos que clamem por “fora corrupção” do que ouvir a ira dos que gritam “fora Globo”. Se a corrupção for embora, seremos um país melhor. Se apenas a Globo – ou outra empresa de mídia – for embora, não iremos melhorar, pois com corrupção não há como ter melhorias em nada. Com corrupção, não temos plena DEMOCRACIA.
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Anderson Scardoelli é jornalista, subeditor do Portal Comunique-se e consultor do Comunique-se Educação