De todas as reações ao megaesquema de espionagem denunciado pelo agora célebre Edward Snowden, a mais efetiva foi a do governo brasileiro: além da óbvia “indignação” e do igualmente óbvio pedido de explicações aos Estados Unidos, “o Brasil lançará nas Nações Unidas iniciativas com o objetivo de proibir abusos e impedir a invasão da privacidade dos usuários das redes virtuais de comunicação, estabelecendo normas claras de comportamento dos Estados na área de informação e telecomunicações para garantir segurança cibernética que proteja os direitos dos cidadãos e preserve a soberania de todos os países.”
É o que tem que ser feito. Indignação raramente resolve problemas diplomáticos. Explicações, os EUA já deram: o esquema é legal, pelo menos à luz da lei norte-americana.
Além disso, a nota do Itamaraty admite, implicitamente, que algum esquema de monitoramento continuará de pé mesmo que “se estabeleçam normas claras de comportamento dos Estados”. Por isso, o objetivo é “proibir abusos”, não o esquema em si.
Vigiar o terrorismo é necessário, mas os Estados Unidos, depois do 11 de Setembro, adotaram mecanismos que representam uma “imensa depredação de nossa privacidade”, como escreve para “El País” Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford.
Também em “El País”, no domingo, o jornalista Duncan Campbell dá novos detalhes da gigantesca operação de coleta de dados: “A organização multinacional de escutas Reino Unido/EUA, criada por vários tratados secretos do pós-guerra entre Estados Unidos e Grã-Bretanha, chama-se hoje a si própria Os Cinco Olhos’, [que são] os serviços de inteligência de sinais dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia”.
Que esses “cinco olhos” olhassem para o Brasil pode causar indignação, mas não surpresa: embora o Brasil não seja centro de terrorismo, a complexa integração dos sistemas de comunicação eletrônica faz com que possam passar pelo Brasil ligações do Irã para a China, por exemplo, países sempre suspeitos para os EUA.
É razoável supor que seja essa a explicação que o governo norte-americano prometeu à Rede Globo dar ao Brasil: o objetivo é espionar os outros, não os brasileiros. Basta? Nem remotamente.
Nos documentos que Campbell obteve, “encontram-se numerosos comentários que demonstram que a maior satisfação, para os agentes dos serviços de inteligência, é vigiar tudo, abrir o maior número possível de sistemas de privacidade”.
Mais: “Ainda que apliquem com exatidão as normas legais quando intervêm comunicações de seus próprios cidadãos, não têm esse cuidado quando se trata de cidadãos estrangeiros”.
A vigilância, informa ainda Dempsey, “não serve somente para combater o terrorismo e o crime, mas também para obter informações econômicas, políticas e pessoais de todo tipo”.
Natural, pois, que o Brasil e os brasileiros sintam-se apunhalados pelas costas.
Por isso, é indispensável que o governo vá além da indignação.
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Clóvis Rossi é colunista da Folha de S.Paulo