Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Snowden fez certo ao fugir da América

Muitos comparam desfavoravelmente Edward Snowden a mim por ele ter deixado o país em busca de asilo, em vez de enfrentar julgamento como fiz. Eu discordo. O país em que fiquei era uma América diferente.

Após o “New York Times” ser intimado a não publicar os Papéis do Pentágono – em 15 de junho de 1971, a primeira censura prévia a um jornal na história dos EUA -, eu já tinha dado outra cópia ao “Washington Post” (que também fora intimado), fui para a clandestinidade com minha mulher, Patricia, por 13 dias. Meu propósito (similar ao de Snowden de ir para Hong Kong) era escapar da vigilância enquanto articulava a distribuição dos Papéis do Pentágono para 17 jornais, em face a duas novas liminares. Como Snowden, os últimos três dias fiquei como um “fugitivo da Justiça”.

Quando me entreguei, fui solto sob fiança no mesmo dia. Depois, quando as acusações cresceram das três originais para 12, com possíveis 112 anos de sentença, minha fiança cresceu para US$ 50 mil. Mas, ao longo dos dois anos em que estive indiciado, era livre para falar. Afinal, era parte de um movimento contra a guerra em andamento. Ajudar a acabar com guerra era minha principal preocupação. Não poderia fazer isso no exterior, deixar o país não passou pela minha cabeça.

Não há chance de que essa experiência seja reproduzida hoje, ainda mais do julgamento ser encerrado por revelações de que as ações da Casa Branca contra o acusado eram claramente criminosas, durante a era de Richard Nixon – o que figurou em sua renúncia em face a um impeachment. Elas hoje são consideras legais (incluindo a tentativa de “me incapacitar totalmente”).

Espero que as revelações de Snowden iniciem um movimento para resgatar a democracia, mas ele não poderia ser parte desse movimento se ficasse aqui. É zero a chance de que teria uma fiança se retornasse e quase nula de que, não tivesse deixado o país, teria direito a uma. Ao contrário, estaria numa cela de prisão como Bradley Manning, incomunicável.

Snowden não acredita ter feito algo de errado. Concordo. Mais de 40 anos após a divulgação dos Papéis do Pentágono, tal ação continua sendo o sangue vital da nossa nossa república. Os segredos corrompem, assim como o poder.

No meu caso, a autorização para acesso a documentos ultrassecretos me ensinaram que o Congresso e o povo americano foram enganados por sucessivos presidentes e jogados dentro de uma guerra perdida e ilegítima desde o começo.

Snowden viu que trabalhava para uma organização, como disse ao jornalista Glenn Greenwald, que queria “fazer todas as conversas e todas as formas de comportamento serem conhecidas por ela”. Era, em efeito, uma expansão global da Stasi, o Ministério para Segurança do Estado na stalinista “República Democrática Alemã”, cujo objetivo era “saber tudo”. Como Snowden disse: “Vale a pena morrer por esse país”.

A nobre contribuição de Snowden para restaurar as primeira, quarta e quinta emendas da Constituição está em seus documentos. Espero que ele encontre um refúgio, tão seguro quanto o possível, do sequestro e do assassinato por forças especiais americanas, de preferência onde tenha liberdade para falar.

O que ele nos deu é nossa melhor chance – se respondermos à sua informação e ao seu desafio – de nos salvarmos da vigilância fora do controle que muda todas as práticas de poder do Executivo e da Inteligência: O Stasi Unido da América.

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Daniel Ellsberg é autor de Segredos: uma memória do Vietnã e dos Papéis do Pentágono e escreveu este artigo para o Washington Post. Após vazar os Papéis, ele foi acusado pelo Ato de Espionagem.