Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Hegemonia comunicacional’

Quando anunciou recentemente que o governo da Venezuela pretendia construir uma “hegemonia comunicacional”, o ministro da Comunicação, Ernesto Villegas, não estava para brincadeira. Depois de sufocar as redes de TV independentes por meio de terrorismo judiciário e leis de exceção, o regime chavista ampliou seu assédio aos jornais que ainda ousam criticar o governo.

O último caso envolve Miguel Henrique Otero, que dirige o El Nacional, um dos mais influentes jornais do país. A procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega Díaz, pediu o congelamento das contas e dos bens de Otero, por suspeita de corrupção. A Justiça, sob total controle do chavismo, prontamente atendeu. Segundo Luisa, Alfredo Peña, ex-prefeito de Caracas, acusa Otero de lhe dever US$ 3,5 milhões, supostamente emprestados em janeiro de 2003 a título de ajuda para o El Nacional. Na época, o jornal enfrentava dificuldades em razão da queda de receita publicitária causada pela greve na PDVSA, a estatal de petróleo, contra o governo.

Otero nega que tenha recebido dinheiro de Peña. Segundo ele, é impossível, “mesmo que se use a mais viva imaginação”, aceitar que um funcionário público tenha tido condições de emprestar tamanha soma, incompatível com o patrimônio do ex-prefeito. A estultícia não se limita ao processo em si. Otero ficou sabendo do pedido de congelamento de seus bens não por meio de uma notificação formal, como seria de esperar em regimes onde vigora o Estado de Direito, e sim, depois que a procuradora-geral anunciou a medida pelo Twitter. Sabendo-se que tanto a procuradora-geral como os mais graduados magistrados do Judiciário são zelosos soldados do chavismo, já é possível antecipar que a causa de Otero é perdida.

O fato é que, embora esdrúxulo, o processo de Peña contra Otero está sendo explorado pelo regime chavista e sua máquina de moer opositores para depauperar mais um de seus adversários na mídia. O procedimento é conhecido e ficou claro no caso das emissoras de TV.

Houve episódios de brutalidade explícita, como a ocupação militar da RCTV, a mais antiga emissora da Venezuela, em 2007. O canal foi tirado do ar sob a acusação de ter participado da tentativa de golpe contra Chávez, em 2002. Em seu lugar, entrou a chapa branca Televisora Venezolana Social.

Com o tempo, o processo ficou mais sofisticado. Em vez de invadir e ocupar, o governo passou a sufocar esses canais. O caso da Globovisión é exemplar: acossada por processos judiciais diversos movidos pelo governo, a maior emissora independente da Venezuela capitulou no início deste ano, passando a ser controlada por empresários afinados com o regime. A manobra não tardou a dar frutos: na última eleição presidencial, o canal demitiu um apresentador por ter exibido trechos de um comício do opositor Henrique Capriles.

Em meio a tanta truculência, a autocensura tornou-se comum entre os poucos meios de comunicação que ainda não estão alinhados ao governo. Para aqueles que resistem, a ameaça de algum tipo de punição é permanente. Nelson Bocaranda, o principal blogueiro independente da Venezuela, foi convocado pela procuradora-geral, Luisa Díaz, para dar explicações sobre sua suposta participação na difusão de “mensagens subliminares” que teriam incitado os protestos violentos após as eleições de abril.

Outro grupo de mídia da Venezuela, o Sexto Poder, está sendo objeto dessa “campanha de fustigamento contra a imprensa independente”, nas palavras da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). O Sexto Poder “não pode pagar seus empregados nem seus fornecedores”, segundo a SIP, e seu principal dirigente, Leocenis García, foi preso sob acusação de sonegação e enriquecimento ilícito. Claudio Paolillo, da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, denunciou a manobra do governo venezuelano, que “não fecha os meios de forma direta, pelo custo político que isso acarreta, mas os afoga economicamente, obtendo o mesmo resultado”.