Pelo menos duas gerações lutaram durante a ditadura militar pela volta à democracia e de todos os direitos civis clássicos – de livre expressão, liberdade de reunião e várias outros. Passaram-se 21 anos para que o objetivo fosse alcançado.
E, como se esperava, restaurados estes direitos, o país conseguiu resolver intrincados problemas econômicos herdados do período dos generais, enfrentou crises políticas, superou-as, e tem conseguido, nas quase duas décadas de estabilidade ininterruptas, recorde na República, consolidar as instituições que garantem as liberdades.
Faz dois meses que se ergueu uma onda de manifestações, iniciadas em São Paulo e que logo atingiram o Rio e se espalharam por outras capitais. Fato histórico e bem-vindo. Tendo sido cooptados pela enorme capacidade de atração demonstrada por Brasília, organizações de estudantes, outras entidades também ditas da sociedade civil e sindicatos tamponaram a capacidade de grupos descontentes de se expressar. Esvaziaram as ruas.
A reocupação delas, em parte por frações da classe média, é demonstração do vigor da democracia brasileira. Para bater de frente com o ufanismo oficialista, surgiram, escritas em folhas de cartolina, reclamações contra os descuidos com a infraestrutura de transporte, o peso asfixiante dos impostos, o relativo descaso com Educação e Saúde, a falta de ética na vida pública, etc.
Organização e diálogo
Passados estes dois meses, é hora de uma reflexão sobre o uso das liberdades conquistadas em 21 anos de luta na defesa destas e outras bandeiras nas ruas. O ocorrido na quinta-feira, no Centro do Rio, precisa ser discutido por todos: manifestantes, autoridades, políticos em geral, população.
Um pequeno grupo de manifestantes, contrários à forma como a CPI dos Ônibus vem sendo conduzida na Câmara de Vereadores, bloqueou o Centro do Rio por quase sete horas. Foi mais um caos no trânsito, com os prejuízos de toda sorte decorrentes dele.
São Paulo passa por situação semelhante. No Rio, a ocupação nas proximidades da residência do governador Sérgio Cabral, no Leblon, causa transtornos em todo o bairro, o mais grave deles a inaceitável depredação, com saques, promovida no mês passado.
Não há, em qualquer nação democrática no mundo, cidade de importância que conviva com a falta de regras e a não aplicação da lei em situações como esta. Existem os pesos e contrapesos na democracia representativa para que todos os direitos sejam respeitados, e não apenas um, o da livre expressão, em detrimento dos demais: direito à livre locomoção e o respeito à propriedade privada e pública, entre outros.
Não se trata de cassar o direito à manifestação. Mas, como em países de longa história na democracia, é preciso haver organização e diálogo entre autores de protestos e o poder público, para evitar distúrbios que prejudiquem a população. Simples assim.