Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Hegemonia ou voto racional?

As articulações rumo à sucessão presidencial estão em andamento. Assim, algumas questões acerca do atual partido da presidente e talvez futura candidata devem ser revistas e merecem reflexão. A forma como se deram as eleições para o segundo e terceiro mandato do Partido dos Trabalhadores para presidência da República suscitou a hipótese, aceita e desenvolvida – em particular por André Singer – de que o fenômeno, que denominou de lulismo, havia se estabelecido no âmbito da política nacional. Fenômeno formatado, sobretudo, com base em uma hegemonia construída a partir de discurso, política social e governo voltado para os mais pobres.

O conceito é interessante e merece reflexão no sentido de que – se efetivamente válido – remete a política nacional a uma nova configuração, em que um estrato da sociedade abandona a crença em velhas formas de se fazer política, sobretudo clientelistas, conservadoras, demagógicas ou um conjunto destes fatores, e passa a vincular-se a práticas mais convergentes com seu efetivo bem-estar e desenvolvimento humano.

De uma base eleitoral centrada, desde a primeira eleição, acirradamente disputada entre Lula, Collor e Brizola em 1989, em parcela da classe média que via – naquele novo partido – uma esperança de negação das bases patrimonialistas e corruptas da política brasileira, aliada a uma plataforma de justiça social e construção de uma nova forma de se fazer política no Brasil, o partido conhece ao final do primeiro mandato de Lula uma inflexão em sua base eleitoral.

Similaridades do petismo com a política tradicional

Percorrendo parte dos caminhos do livro de André Singer – Os Sentidos do Lulismo –, tem-se que aquela base eleitoral se manteve fiel nas eleições presidenciais em que o PT foi derrotado por Collor, pela aliança PSDB/PFL, perdurando inclusive quando da primeira eleição de Lula à presidência em 2002. Após, como já é sabido, durante o seu primeiro mandato, fica patente, para os brasileiros que efetivamente estavam dispostos e com condições de enxergar, que o PT, a despeito de ter incrementado programas sociais e mantido a configuração macro econômica da era FHC, carregava consigo um mesmo componente cultural contido na tradicional política nacional: a corrupção e o patrimonialismo aparecem como – também – parte do jeito de ser petista.

Um patrimonialismo que dará mais peso ao uso do patrimônio público para o benefício do partido e seus objetivos e menos ao enriquecimento dos seus políticos e alguns de seus quadros. Se bem que esta gradação seja difícil de ser mensurada, ficando apenas como interpretação de fatos midiatizados.

Dá-se um rearranjo da base eleitoral do partido. Parte dos eleitores que enxergaram as similaridades do petismo com a tradicional política nacional, calcada na corrupção e patrimonialismo, deixa de ser eleitora do partido e migra para outras agremiações. Marina Silva, PSDB, Heloisa Helena e, quem sabe, Eduardo Campos em 2014, opções eleitorais, que – ao menos na aparência – se distanciassem e se distanciem das práticas que o PT se mostrou adepto, passam a abrigar parte do seu antigo eleitorado e podem novamente vir a abrigar em 2014.

O aprendizado de realismo

Interessante considerar que há uma ideia, muito divulgada em círculos não simpáticos ao PT – que vão desde a uma certa classe média ressentida e a setores da mídia – de que a Lula e a seu partido se deva dar uma espécie de crédito pela invenção da corrupção e ao patrimonialismo na politica. O PT seria o suprassumo da corrupção, coisa que verdadeiramente não corresponde a nossa história política.

Longe da visão – agora dos mais simpáticos ao partido – que entende que outros crimes de partidos e políticos não apurados deveriam eximir o PT de suas práticas, o fato é que a tradicional e corriqueira moeda da política brasileira – a corrupção e o patrimonialismo – é parte de acordos que circulam pela politica brasileira, ao menos desde a Primeira República.

Em pesquisa realizada acerca do pensamento político autoritário, constatamos que parte considerável do discurso que perpassou a revista Cultura Política [revista publicada de 1942 a 1945 pelo Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP configurando-se como veículo de síntese e propaganda d o ideário político do Estado Novo, além disso empreendeu crítica a cultura política de partidos e políticos da República Velha] dizia respeito a esta especificidade do político brasileiro, presente já na República Velha.

“Provavelmente, o jogo político democrático, sobretudo no Brasil, foi e ainda é o misto de “interesses subalternos”, “vantagens individuais” e preocupação com o bem estar social e com a liberdade política” (Câmara. 2010. Pag.177).

Reis avança na análise acerca das relações entre corrupção e política e as normas do jogo democrático ao observar que “como quer que seja, as várias faces da experiência brasileira mais ou menos recente com a corrupção levam a considerar as complicações nas relações entre o papel das normas e o jogo dos interesses na política democrática sadia. Se a idealização contida no modelo da “política ideológica” é sem dúvida equivocada, não é melhor o cinismo da difundida cultura antinormas ou o destempero do realismo que a corrupção protagonizada pelo PT evidenciou – ainda que tenha sido bem-vindo, contra algumas opiniões à esquerda, o aprendizado de realismo na administração econômica do país manifestado no governo Lula” (Reis. Pag. 330. 2012).

A origem do subproletariado

Ou seja, as duas reflexões pensam a política sendo não apenas o terreno da pureza e embate entre ideários políticos; nela esta contida um espaço que diz respeito ao interesse pessoal e de grupos em que – em algumas ocasiões – podem pouco ou nada possuírem em comum com o bem estar da sociedade e mesmo dos estratos sociais a quem pretendem ou dizem representar.

A capacidade que sistemas políticos possam ter para o controle desses interesses é que pode fazer a diferença entre países e suas democracias, no que se refere ao problema.

Entretanto, diante de todo o caldo de corrupção em que se mostrou imerso, isso não seria a bancarrota eleitoral do partido. Com a vitória na eleição presidencial de 2005 e – como observou Singer – frente aos dados das pesquisas acerca dos eleitores e seus votos, notou-se que um contingente daquilo que o autor refere-se como subproletários, que já foram eleitores de Collor, por exemplo, tornam-se parte considerável da nova base eleitoral do PT, ou do lulismo como designou. Base eleitoral que novamente, na terceira vitória do PT nas eleições presidenciais de 2010, voltaria a estar presente e mostrando-se fundamental para o sucesso eleitoral da então candidata Dilma.

O conceito de subproletariado adveio de Paul Singer que observou, dentre outras questões ligadas à renda e à relação capital X trabalho, que fora obrigado “a utilizar o nível de renda para distinguir entre proletariado e subproletariado porque é o único indicador disponível a respeito. Nunca é demais repetir, no entanto, que a noção de subproletariado não corresponde meramente à pobreza. Trata-se, em última análise, de trabalhadores em atividade que são: a) superexplorados por capitais individuais, por pequenos empregadores ou, às vezes, pelo próprio Estado (como parece ser o caso, p. ex. das professoras primárias) ou b) levados a se “auto-explorar”, ao serem obrigados a ofertar seus serviços ou mercadorias em mercados estruturalmente saturados. A origem deste subproletariado se liga à dissolução, pelo capitalismo, de partes da economia de subsistência, sem que a acumulação de capital gere uma demanda por força de trabalho suficiente para absorver nas condições normais – a mão de obra assim liberada” (Paul Singer, pag. 106. 1981).

Desempenho acima da média

De volta à questão eleitoral e num breve perfil do eleitorado dito subproletário, observamos que no estado da Bahia, onde encontramos também os ditos grotões onde reside parte deste “novo eleitorado” do lulismo, dos quatrocentos e catorze municípios baianos, o PT só não obteve a maioria dos votos em oito municípios, com aproximadamente 70% dos votos válidos ao final do pleito presidencial de 2010, média que se repetem pelo nordeste. Já na eleição para governo do estado, o candidato do PT Jaques Wagner consegue sua eleição já no primeiro turno e bate o candidato do DEM Paulo Souto por uma diferença de mais de três milhões de votos. (Dados STE)

Nas eleições municipais de 2012 o partido também obteve sucesso, elege 222 dos prefeitos baianos nos 333 municípios onde concorreu. Mesmo em Salvador, onde o neto de ACM, Antônio Carlos Magalhães foi eleito no segundo turno, observa-se que os votos de Nelson Pelegrino do PT corresponderam a 46,19% dos votos válidos contra os 53,81% do neto de ACM, o que não significa uma votação inexpressiva (dados do STE).

Considerando especificamente os pleitos para presidência da república, Limongi e Cortez, já haviam observado que o nordeste nunca se configurou como tendo um eleitorado antipático a Lula.

“O PT nunca mostrou fragilidade no nordeste, antes o contrário. Em 1989, Lula foi mais bem votado no nordeste do que no sudeste. Sua melhor votação estadual foi em Pernambuco, onde obteve 33,6% dos votos válidos. Na Bahia, Lula teve 25,9% dos votos, enquanto em São Paulo o partido ficou apenas um pouco acima da sua votação nacional (17,8%). Este quadro não se alterou em 1994, quando, para dar um exemplo emblemático, o PT bateu o PSDB e Salvador. Em todas as eleições presidenciais, o desempenho do PT nos centros urbanos do nordeste sempre esteve bem acima da média da votação nacional do partido. Nas pequenas cidades e zonas rurais do nordeste, nos chamados grotões, a votação de Lula nunca se desgarrou da média nacional” (Limongi e Cortez. 2010. Fl. 28).

Uma nova hegemonia

Porém em 2006, passa a haver um incremento que definiria o eleitorado nordestino como francamente e esmagadoramente favorável a Lula, fato que – como bem observou Singer – se repete em 2010, com Dilma e aponta para uma possível alteração na configuração da fidelidade desta nova parcela dos eleitores do PT.

“A flutuação de larga parcela do eleitorado tem sido decisiva para os resultados. Em 2002, larga parcela do eleitorado abandonou o PSDB e votou no PT, no PSB e no PPS. Em 2006, ainda que o PT tenha obtido praticamente a mesma votação de quatro anos antes, perdeu eleitores em alguns estratos e ganhou em outros. O PSDB, por seu turno, mesmo derrotado, cresceu em 2006, recuperando uma considerável dos eleitores que perdera” (Limongi e Cortez. 2010. Fl. 23).

Aqui pela primeira vez, considerando o período do estudo de Limongi [no artigo “As Eleições de 2010 e o quadro partidário”, Fernando Limongi e Rafael Cortez, dentre outras questões, tratam da circulação de votos de estratos eleitorais entre candidaturas diversas entre a primeira eleição pós Sarney até 2010, sem, contudo deixar de observar que partidos e candidatos possuem seu eleitorado fiel] sobre a questão, a constatação de que parcela dos votos circulam, em eleições presidenciais, de um pleito eleitoral a outro, se modifica, pelo menos no estrato em que Singer chamou de subproletariado, para as eleições presidenciais de 2005 e 2010.

Com programas sociais voltados para um público das mesmas características deste novo eleitorado do lulismo, há a interpretação que acredita que os pobres e os muitos pobres, ou o subproletariado, se nos ativermos à perspectiva de Singer, passam por um processo em que uma nova hegemonia estaria sendo construída, graças a uma política de governo voltada a interesses do subproletariado.

Vontade coletiva

Dá-se então um amalgama entre a nova postura do PT, com a carta a população de 2002, a posterior manutenção da macro política econômica dos tempos de FHC, a nova política de alianças do PT e as politicas sociais incrementadas na era Lula. A responsabilidade em manter o país em equilíbrio junto aos fundamentos da economia, implantados com o Real e a transferência de recursos aos mais pobres, os de renda mais precária, os miseráveis – os beneficiários do Bolsa Família, de parte dos beneficiários do Minha Casa Minha Vida [os beneficiários com renda familiar de até três salários mínimos contam com importantes subsídios para aquisição de unidades habitacionais de interesse social – HIS], por exemplo – é que dão ao PT-lulismo um tom de responsabilidade, segurança e vínculo com este estrato da população, se acompanharmos a linha de análise de Singer.

Se o estilo carismático de Lula e as politicas sociais do PT, sobretudo o Bolsa Família, tiveram peso na migração de parcela considerável de eleitores, antes garantidores de vitórias de candidatos como Collor ou FHC, o que efetivamente pode se considerar hegemonia ou voto racional? Qual o significado deste voto dos mais pobres em relação ao futuro das eleições no Brasil? E, por fim, estas politicas sociais formam um novo clientelismo, um clientelismo revisitado, ou podem vir a dar um empoderamento tal a estas populações que possam formar uma real autonomia política?

Entender como construção de uma hegemonia o resultado de um processo eleitoral ao qual um estrato do eleitorado brasileiro passa a eleitor de um determinado partido ou a político especificamente teria que implicar que partido e/ou político fossem portadores de um discurso composto de valores e formas de se interpretar a realidade brasileira, que uma vez em contato com a sociedade ou a uma parte especifica da sociedade, passaria a ser interpretação e componente do arsenal possível de soluções e encaminhamentos a serem dados as coisas, de maneira que o convencimento quanto às soluções a serem efetuadas na sociedade estivesse contido nas políticas e discurso do partido e/ou político.

Ao aceitar que há de fato uma hegemonia formada, se considera que uma parte do eleitorado não somente escolhe o candidato por um processo que privilegia o mais vantajoso programa de governo apresentado, mas por tratar-se de algo mais amplo que isto, uma perspectiva de entendimento da sociedade, da cultura que vem ao encontro destes eleitores.

“O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de investigações e classificações pedantes de princípios e critérios de um método de ação, mas como qualidades, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, o que põe em movimento a fantasia artística de quem se quer convencer e dá uma forma mais concreta às ações políticas” (Gramsci, 2000. Pag. 13).

Maximização da riqueza

Diante dessa capacidade de convencimento o antigo eleitorado de Collor ou PSDB/PFL entenderia que o novo líder e provavelmente, também, seu partido, não só se propõe a resolver a questão da pobreza, mas os convenceu, com seu discurso e programas de governo, que suas ações de fato são voltadas aos seus interesses e têm uma forma de compreender as coisas de acordo com sua cultura. Desta vez então, os descalços e descamisados não estão sendo enganados, o governo, o PT-lulismo, fala e trabalha a seu favor e a partir de uma cultura comum.

O processo de convencimento, assim estaria sendo produzido, através do discurso do partido e de seu condutor maior Lula. Os descalços e descamisados, entenderiam como seu arsenal de cultura o ideário petista e de Lula.

Porém, em contraposição a ideia de hegemonia, programas como o Bolsa Família e seus efeitos materiais ou de expectativa criada a possíveis novos beneficiários, configuram-se mais como uma construção de voto baseado em uma escolha racional. O eleitor vota no PT-lulismo mais interessado no benefício – ou na perspectiva de também passar a ser beneficiário – identificando executivo federal e suas políticas sociais, quando conduzido por um determinado grupo, preferindo-os no processo eleitoral, do que propriamente em um convencimento mais próximo ao conceito de hegemonia de Gramsci.

Vota-se, interessado no que o Partido dos Trabalhadores vem realizando do ponto de vista de programas sociais e na perspectiva de inclusão em políticas semelhantes. Há uma troca entre o partido que arrecada impostos e aplica em uma clientela especifica e a expectativa de que o que efetivamente vem ocorrendo se mantenha e se amplie: “Para todos eles, os agentes sociais estariam interessados na maximização da riqueza, de votos, ou de outras dimensões mais ou menos mensuráveis em termos de quantidades e sujeitas a constrangimentos de recursos materiais” (Ferejonh e Pasquino. Fl. 5. 2001).

Movimentos sociais desapareceram

Ampliando-se a crítica, o fato é que não há, até o momento, nenhuma construção do ponto de vista econômico que de a estas populações beneficiárias do Bolsa Família, os antes descamisados de Collor, os antes vitimas do clientelismo do PFL, os novos eleitores do PT, alguma perspectiva de autonomia e empregabilidade que os coloque como ex-grupo alvo de programas sociais de combate a pobreza e a miséria.

“Com relação à autonomia das famílias, pode-se dizer que a ausência de indução de programas de geração de emprego e renda representa uma importante debilidade do Programa Bolsa Família – PBF, uma vez que não há uma diretriz clara pautada na intersetorialidade e intergovernabilidade para atuar sobre as causas da precariedade de inserção da população adulta no circuito produtivo” (Schottz e Magalhães. Fl. 93. 2007).

Saindo da questão eleitoral e dos programas sociais do PT, Francisco de Oliveira já apontava em 2007 a despolitização que Lula significava ao tirar de cena os movimentos sociais e sindicais mais significativos, dada a interdependência entre lideranças, Lula e PT. Um processo que em conjunto a mencionada racionalidade do voto de parte do eleitorado petista, leva o país a uma potencialização do processo de hegemonia as avessas.

“Já no primeiro mandato, Lula havia sequestrado os movimentos sociais e a organização da sociedade civil. O velho argumento leninista-stalinista, de que os sindicatos não teriam função num sistema controlado pela classe operária, ressurgiu no Brasil de forma matizada. Lula nomeou como ministros do Trabalho ex-sindicalistas influentes na CUT. Outros sindicalistas estão à frente dos poderosos fundos de pensão das estatais. Os movimentos sociais praticamente desapareceram da agenda política. Mesmo o MST vê-se manietado pela forte dependência que tem em relação ao governo, que financia assentamento das famílias no programa de reforma agrária” (Oliveira. 2007).

Conclusão

Programas sociais que socorram os que estão em situação de precariedade e extrema pobreza, a princípio, não são passiveis de crítica, posto que populações nessas condições necessitam de assistência imediata. Deve-se ponderar, também, que programas como o Bolsa Família, com o aporte de recursos que hoje em dia conhecem são novos no Brasil, o que implicaria em certo tempo para que efeitos mais concretos, do ponto de vista de maior autonomia dos beneficiados, fossem melhor notados. Entretanto não se vislumbram ações dentro do governo federal, que busquem alterar substancialmente as condições de empregabilidade e distribuição de renda aponto de que estas populações possam ser absorvidas no mercado de trabalho de modo a que suas rendas sejam oriundas do resultado de seu trabalho e não de políticas assistenciais voltadas aos muito pobres.

Programas que incentivem empresas a se estabelecerem em locais que propiciem a absorção destes contingentes em um mercado de trabalho com salários que garantam efetiva autonomia, elaborados em concomitância a amplos programas de qualificação de mão de obra e educação não são planejados. Não estamos nos referindo a cursos de artesanato, criação de padarias comunitárias e coisas dessa natureza, iniciativas dignas, mas que não dão conta de inserirem o país em outro patamar de renda, consumo e autonomia de parcelas da população.

Assim, seja esse ou não o objetivo de programas como o Bolsa Família nos três mandatos do PT, eles vêm se constituindo, até o momento, como um “clientelismo mais efetivo”, ou seja, de maneira diversa do clientelismo que promete um emprego, vagas em hospitais, e outros pagamentos, nesse novo modelo, basta estar dentro do público alvo do programa para que haja o enquadramento do cliente, que por sua vez não possui um horizonte enquanto cidadão autônomo e independente frente a esse tipo de política assistencial.

No tocante ao processo hegemônico que estaria sendo formado, não é crível que vitórias eleitorais sejam suficientes para se garantir que ele efetivamente exista. É claro que com programas sociais, sucesso eleitoral e carisma, Hugo Chávez criou, entre os descamisados da Venezuela, um forte consentimento entre a maioria do povo venezuelano. Entretanto, apesar da simpatia nutrida ao falecido pelo petismo em geral, a sociedade brasileira – apesar de suas profundas diferenças de renda e tudo que isso possa implicar em termos de disparidades sociais – é mais plural, as instituições brasileiras parecem mais sólidas, a economia mais complexa e diversificada, não parecendo haver espaço para que o ordenamento político nacional siga o modelo chavista, mesmo a despeito das similaridades ideológicas entre o atual petismo e chavismo.

Quanto a uma nova cultura necessária a formação de um processo hegemônico, também, não se formatou nos anos de Lula e Dilma na presidência algo que se possa catalogar como uma forma de pensamento que passasse a mover a sociedade ou os subproletários agora hipoteticamente hegemonizados pelo lulismo, para além da expectativa de que os programas sociais sejam mantidos.

Mesmo para os acreditam que partidos políticos possuem o poder de criar hegemonia nas sociedades, cabe primeiro observar que o PT-lulismo não pôs em prática um projeto de sociedade que vá além de programas pontuais, algumas reduções de alíquotas fiscais, e uma competente propaganda acerca do governo federal.

Não sabendo o que fazer não se produziu um projeto de sociedade que gerasse um ideário absorvido por camadas significativas da população como o seu próprio. Isso se levarmos em conta que há certa grandeza no PT e, portanto que o projeto político da cúpula do partido não é exclusivamente as prerrogativas inerentes a quem está na corte.

Em suma, se não houve a construção de um novo processo hegemônico, o PTlulismo criou condições para que do ponto de vista eleitoral, as propostas de seu principal adversário PSDB/DEM e de outros, até aqui, não sejam capazes de seduzir novamente os descamisados da era Collor ou o dito subproletariado de Lula e Dilma. Este pedaço da sociedade, provavelmente, irá continuar próximo dos que lhe garantam algum benefício concreto, mesmo que isso não signifique o caminho para sua autonomia.

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Marcelo Barbosa Câmara é doutor em Ciências Sociais