O mais novo caso de veto judicial ao trabalho jornalístico no país – a proibição de que o jornal Gazeta do Povo, do Paraná, publique informações sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Clayton Camargo – reabre o debate sobre a censura prévia ao trabalho da imprensa. A decisão, noticiada sábado pelo jornalista Ancelmo Gois em sua coluna em O Globo, é, para especialistas, mais uma no rol das que abalam a liberdade de expressão no Brasil, que, em 2012, caiu de 99 para 108 no ranking mundial sobre o tema, divulgado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras. Dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostram que, no ano passado, houve onze casos de ações judiciais que impediram a divulgação de reportagens.
– É lamentável. Trata-se de pura e simples censura, o que é proibido pela Constituição. Isso tem sido recorrente. Com muita frequência ,essas decisões posteriormente são revogadas com os recursos. Mas o mal já está feito. Porque a censura, mesmo por pouco tempo, é uma inconstitucionalidade – analisa o diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira.
Relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa, de abril, aponta a preocupação com “a recorrência de decisões judiciais proibindo previamente a divulgação de informações pelos meios de comunicação”. A SIP cita especificamente o caso do jornal O Estado de S. Paulo, que segue proibido de divulgar informações sobre processo contra um dos filhos do senador José Sarney, Fernando Sarney.
– Pessoalmente, entendo que liberdade de imprensa é, antes de tudo, liberdade de informação. Assim, tudo o que for veículo de informação deveria estar a salvo de qualquer censura – disse o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto, que, na última sessão como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em novembro passado, criou o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa.
– A informação verdadeira é um direito dos cidadãos. Quem se coloca contra a liberdade de expressão são as autoridades. Estamos diante de uma ofensiva judicial para retirar do povo, por caminhos transversos, o direito à informação – avalia o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), que acaba de assumir a presidência da comissão de liberdade de expressão da OAB-RJ.
Decisão atinge também conteúdo digital
Em abril, o CNJ abriu a investigação para apurar a suspeita de venda de sentença por Cleyton Camargo. A advogada de uma das partes de uma ação que julgou, quando atuava como magistrado da área de Família, o acusou de ter recebido dinheiro para decidir em favor da outra parte, em uma ação que envolvia disputa de guarda de filhos, em 2011. No mês passado,a corregedoria do CNJ abriu outro procedimento, desta vez para investigar suspeita de que Cleyton Camargo teria usado sua influência para favorecer a candidatura do filho, o deputado estadual Fábio Camargo (PTB), à vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Fábio tomou posse no final de julho. Procurados pelo Globo, o presidente do TJ e o deputado não foram localizados.
A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem publicadas no jornal foi concedida há um mês. O desembargador, no pedido, sustenta que “os fatos em notícia (…)vieram impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira”. Ele pede, ainda, que as reportagens sejam retiradas da página do jornal na internet.
Ayres Britto admite que ainda há um vazio quando se trata de informações jornalísticas publicadas pela internet.
– Em 1988, já havia computadores, mas não havia uma rede planetarizada, não havia conectividade. Assim, a Constitução não trata de liberdade de imprensa na internet. Isso é um assunto complexo que demanda uma discussão mais aprofundada – explicou o ex-ministro.
– Essa indústria de ações contribui para levar o Brasil a posições ruins no ranking da liberdade de imprensa – diz o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Moreira.
Na decisão, o juiz Benjamin Acácio de Moura e Costa destaca caráter “degradante e pessoalizado” nas reportagens, “transcendendo o dever informativo”, criando o que chama de “garupa na liberdade de imprensa, constitucionalmente garantida, um instrumento por vezes leviano de se atingir a pessoa humana”. A Gazeta do Povo, no recurso ajuizado este mês, sustenta que “não existe qualquer agressão a direitos da personalidade do autor, mencionado nas reportagens na qualidade de autoridade pública” e que “as reportagens que abordam as investigações empreendidas servem ao acervo de informações disponíveis sobre a história do Paraná e o direito à história não permite o uso da borracha”. (Colaboraram Martha Beck e Cleide Carvalho)
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Maiá Menezes, de O Globo