Na noite de domingo (1/9), depois que os repórteres Glenn Greenwald e Sônia Bridi expuseram com detalhes exemplos da espionagem dos Estados Unidos em Brasília e na Cidade do México, assessores de Dilma Rousseff começaram a vasculhar dados armazenados em seus aparelhos digitais. Pouca gente é capaz de lembrar exatamente o que fez, com quem falou, se correspondeu e o que escreveu há uma semana. Eles tentavam recuperar a memória de um ano atrás. O Fantástico acabara de demonstrar, com base em documentos coletados por Edward Snowden, como a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) espionou a presidente da República, ministros, assessores e pessoas com as quais conversaram por telefone ou se corresponderam por e-mail e redes sociais.
“Funciona assim”, explicou Sônia Bridi: “Selecionado o alvo, são monitorados os números de telefone, os e-mails e o IP, a identificação do computador. O mesmo para os interlocutores escolhidos, no caso, assessores. O que eles chamam de ‘um pulo’, é toda a comunicação entre o alvo e os assessores. Um ‘pulo e meio’, quando os assessores conversam entre eles. ‘Dois pulos’ é quando eles conversam com outras pessoas.”
Depois de duas décadas de internet as pessoas têm, além da vida virtual no presente, uma detalhada história individual e profissional. Quem quiser saber o que significa na prática mergulhar na história de sua vida por e-mail, basta visitar e se inscrever na página https://immersion.media.mit.edu, construída por Daniel Smilkov, Deepak Jagdish e César Hidalgo pesquisadores do Media Lab, do MIT. Ao contrário da agência de espionagem, ela oferece ao visitante, em caráter permanente, a opção de eliminar seus dados.
A agenda em discussão no Planalto
Nas quatro semanas daquele junho, um ano atrás, quando os agentes da NSA acionavam os “seletores” sobre o tráfego de dados em Brasília, a agenda de temas em discussão no Planalto era farta em alguns aspectos:
** Às vésperas da Rio +20, Dilma Rousseff mandou a embaixada de La Paz conceder asilo ao senador boliviano Roger Pinto Molina, líder da oposição ao presidente Evo Morales. “Nossa decisão foi soberana e baseada na lei”, proclamou o Itamaraty;
** Nos dias seguintes, a presidente definiu o programa de investimentos da Petrobras para o período 2012-2016. Antes de viajar para a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, no Rio, avalizou a completa reversão dos projetos da estatal na produção de energia limpa (etanol) em benefício do aumento da produção de gás e petróleo. O governo decidiu que só divulgaria o novo plano da maior empresa de energia do país depois do encerramento da Rio+20;
** No Rio, Dilma reagiu com incompreensível surpresa ao processo de impeachment do presidente do Paraguai, Fernando Lugo. Era a vigésima quarta tentativa, pelas contas de um dos chanceleres brasileiros, Marco Aurélio Garcia.
Segredos enterrados nos arquivos da NSA
Diante de outros presidentes do Mercosul, telefonou para o ausente Hugo Chávez – doente, ele escolhera aquela semana para anunciar uma joint venture com o Irã de Ahmadinejad para produção de drones, aviões militares não tripulados. (Em resposta, a porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland, anunciou: “Vamos vigiar de perto”.)
Dilma e Chávez combinaram uma ofensiva contra o Paraguai e, no meio da noite, despacharam seus chanceleres para Assunção. O brasileiro Antonio Patriota foi ao Senado paraguaio. O venezuelano Nicolás Maduro, hoje presidente, reuniu-se com a cúpula militar do país e, segundo os próprios militares, propôs um golpe de Estado. Patriota e Maduro fracassaram. Dilma foi além: avalizou uma ação de hostilidade em bloco contra o Paraguai, abrindo espaço político para avanço dos EUA na região.
Espiões e diplomatas dos EUA acompanhavam em Assunção cada passo de Lugo na sua caminhada para o abismo político. Agora, sabe-se que também espionavam Dilma, seus chanceleres, assessores e interlocutores. Um dia, talvez se conheça o histórico, as reflexões, os motivos e a atuação de cada um dos protagonistas brasileiros nesses episódios de junho do ano passado. Até lá, continuarão como segredos enterrados nos arquivos de um anexo virtual da Casa Branca: NSA.
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José Casado, doGlobo