Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ideário Ninja

3’04: “Falei pra ele ir embora, que ia dar confusão. Ele não quis (…). Arriscando a vida por alguma matéria. É foda. Garoto novo, garoto novo, quer ganhar espaço na mídia, tá fazendo essa parada. Quer dar espaço para materiazinha boa, quer ganhar dinheiro, fazer nome na mídia tradicional. Não pode”.

Essa sucessão de asneiras foi dita por um sujeito da Mídia Ninja. Isto, ao testemunhar a agressão ao repórter Júlio Molica (sim, é meu filho), ontem, durante a manifestação ocorrida no Centro do Rio. As frases revelam uma espécie de ideário dos ninjas e de seus cúmplices que não têm coragem de mostrar o rosto, os integrantes do tal movimento Black Bloc.

Vejamos: os caras não querem simplesmente ocupar as ruas. Querem que o espaço público seja apenas deles. Consideram-se, portanto, mais cidadãos do que outros. O repórter da GN não estava cobrindo uma manifestação em ambiente fechado, estava na rua. Mas, para os MN-BB, ele não poderia estar ali. Mais, assumem que estar ali – trabalhando – representava um risco de vida. Um risco de vida, repito.

As palavras do ninja poderiam ter sido ditas pelos traficantes que assassinaram o Tim Lopes, pelos milicianos que, há cinco anos, torturaram uma equipe de O DIA no Batan ou por militares da época da ditadura incomodados com alguma apuração: “Arriscando a vida por alguma matéria”, “Quer ganhar espaço na mídia”, “Quer ganhar dinheiro”, “Não pode”.

O que não pode, é que vocês. MN-BB, tenham o direito de definir quem pode ou quem não pode estar na rua, quem pode ou quem não pode cobrir uma manifestação que ocorre em espaço público. O que não pode é que vocês tentem impor apenas uma versão dos fatos. Quem diz defender o pluralismo e, por conta disso, condena TVs e jornais, não pode temer outras visões. Esta atitude revela o quanto vocês, que dizem combater o autoritarismo, são autoritários, ditatoriais e antidemocráticos.

Vocês comportam-se como o que são: meninos mimados e violentos que não suportam o contraditório, que não admitem ser contrariados. Reclamam – com razão – da violência policial, mas não aceitam ser confrontados com a violência que provocam. Rejeitam ser classificados de vândalos mesmo diante do vandalismo que, muitas vezes, provocam. Contestam o rótulo de fascistas mesmo quando reproduzem o comportamento que marcou a atuação de militantes de grupos de extrema direita. Não pode.

Ideário Ninja 2

Tira essa máscara/ cara a cara, cara a cara, cara a cara,/ quero ver você (‘Cara a cara’, Caetano Veloso)

As últimas frases do artigo do Caetano Veloso publicado hoje [domingo, 8/9] no Globo são quase inacreditáveis. Ele narra como, após uma conversa com alguns integrantes do Black Bloc, decidiu posar com o rosto coberto.

“Daí eles me pediram para posar com uma camiseta preta atada ao rosto para eles mostrarem a Emma, que, segundo eles, gostou do meu texto sobre ela. Agora vejo aqui que eles puseram a foto na rede e logo alguém tuitou que sou oportunista e incito a violência. Não. Entendo que Black Bloc faz parte. Mas nem anticapitalista convicto eu sou. E quero paz.”

Artigos como o publicado hoje são escritos com alguns dias de antecedências. Ao redigi-lo, Caetano não sabia o que ocorreria no 7 de Setembro, mas certamente já havia sido alertado para prováveis casos de violência em manifestações. Dá para supor que ele, então, tentou aliviar a própria barra. Procurou então transformar um gesto político – posar como um Black Bloc – em algo fútil, quase uma brincadeira. Tentou esvaziar o gesto pouco responsável.

Mas não dá para negar a imagem, para retirá-la de seu contexto. A foto, comemorada e divulgada pelos BBs às vésperas do 7 de Setembro, legitimou a atuação do grupo e respaldou a violência e o anonimato de seus integrantes. A imagem também foi útil para o próprio Caetano, ao reforçar sua identificação com os jovens, com a rebeldia.

No caso, vale o fotografado, não o (posteriormente) escrito. Para citar o próprio compositor – autor, veja só, de ‘O império da lei’ –, a imagem é foda. Melhor do que tentar negar o óbvio, Caetano poderia dizer que errou ao aceitar posar mascarado.

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Fernando Molica é jornalista