A guerra cibernética é a “guerra do futuro”, como bem alertou o ministro da Defesa, Celso Amorim. Pode-se dizer, aliás, que é a guerra do presente – basta lembrar que hackers de Estados Unidos, China, Rússia, Israel e Irã, entre outros, já há algum tempo travam batalhas virtuais, sabotando sistemas e gerando danos para a economia de seus antagonistas. Por essa razão, Amorim acredita que o Brasil tenha de se preparar para esse desafio – mas, como costuma acontecer nos governos lulopetistas, a iniciativa é tardia e insuficiente, definindo-se menos pelos interesses nacionais e mais por motivações eleitorais e ideológicas.
Não se pode aceitar que a definição de estratégias de defesa seja submetida, por princípio, a interesses de terceiros países. No entanto, Amorim acredita ser necessário sujeitar as diretrizes brasileiras na guerra cibernética aos objetivos dos parceiros na América do Sul – começando pela Argentina, que costuma ignorar o Brasil quando toma suas decisões. Pois o ministro esteve recentemente na Argentina para, em suas palavras, estabelecer alguma forma de “cooperação”, termo vago o suficiente para nele caberem significados que não deveriam interessar ao Brasil.
Amorim falou até mesmo em uma “doutrina” sul-americana de defesa cibernética, criando uma instância supranacional que obviamente fere a soberania brasileira na determinação de suas políticas de segurança. Além disso, a título de combater as supostas ameaças representadas pelos Estados Unidos e seus abrangentes serviços de espionagem, a presidente Dilma Rousseff pediu urgência na aprovação do Marco Civil da Internet – projeto que, no entanto, nada tem a ver com a arapongagem americana, pois seu único objetivo é garantir o livre trânsito de informação e a neutralidade da rede.
“Diretrizes próprias”
Para justificar as iniciativas do governo, Amorim recorreu aos conhecidos argumentos bolivarianos: “Alguém me dizia hoje que o Brasil e a Argentina respondem por 40% do mercado da soja mundial, e as reservas de água doce dos aquíferos. Nós nunca seremos capazes de defender esses recursos se não fizermos uma adequada defesa cibernética.” Ou seja, para o nosso ministro da Defesa, o mundo (leia-se EUA) trama para tomar as riquezas do Brasil e da América Latina por meio de golpes de bits e bytes.
É a versão atualizada da velha cantilena segundo a qual os americanos cobiçam nossos recursos e conspiram para roubá-los. A presidente Dilma, disse Amorim, ficou particularmente preocupada com a proteção da reserva do pré-sal, ante a suspeita de que os americanos estariam espionando a Petrobrás, e “recomendou interesse redobrado nas questões de defesa e projetos estratégicos”.
Segundo Amorim, a única solução para o problema é desenvolver um software nacional de defesa. “Não adianta achar que vamos proteger nossas vulnerabilidades comprando software de outros países”, disse o ministro. No entanto, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado em julho, a capacidade das empresas nacionais para esse fim ainda é muito pequena, de modo que será preciso fazer pesados investimentos.
O problema é que o Brasil gastou neste ano menos de 10% do orçamento previsto para a defesa cibernética, e grande parte desse valor foi usada para comprar itens que nada têm a ver com segurança virtual, como jipes e equipamentos físicos de segurança para o prédio do Centro de Inteligência do Exército, em Brasília. Há, portanto, um descompasso entre a verborragia oficial e a realidade.
É evidente que o Brasil precisa desenvolver um sistema de defesa cibernética à altura de sua importância econômica e política. Mas, a depender do atual governo, a infraestrutura de rede no Brasil continuará a estar, conforme diagnóstico do Ipea, entre “as mais vulneráveis e desprotegidas do mundo”. O estudo do Ipea adverte ainda que até hoje o Brasil não tem um documento que “estabeleça as diretrizes próprias de uma estratégia nacional para a defesa cibernética”. Em tema tão relevante, trata-se de uma situação inadmissível.