A imprensa brasileira é uma das mais profissionais do mundo. Mas não está livre de cometer seus pecados. Nos anos 90, jornais, revistas e emissoras de TV acolheram unilateralmente a versão de uma família de que seus filhos teriam sido vítimas de assédio sexual na Escola Base. O final lamentável do episódio é conhecido. A verdade, afinal revelada, de que não havia substância na acusação, só veio à tona dez anos depois: os donos tiveram de fechar o colégio, funcionários haviam sido demitidos e os efeitos do linchamento moral haviam se sobreposto irreversivelmente ao reparo judicial. A favor da mídia, pode-se dizer que as reportagens se baseavam em declarações da polícia. Sendo assim, os veículos não queriam correr o risco de perder a informação para o concorrente, formando-se assim um círculo vicioso – e viciado – que conduziu ao abominável escorraçamento moral de uma família.
Não é o caso, no entanto, das chamadas biografias não autorizadas. Aqui, o mal – seja pela divulgação de fatos inverídicos ou de atos que o biografado entende como de foro íntimo – pode ser evitado e a legislação assim assegura. Sobre o assunto, escreveu no Globo o advogado Marco Antônio Campos, que representa o cantor Roberto Carlos em sua legítima pugna por preservar sua privacidade: “A questão vem sendo colocada como uma discussão sobre a liberdade de expressão. (…) O foco (…) é a necessidade ou não de autorização da pessoa biografada.” É um argumento forte contra insidiosas tentativas de agressão a um bem – a privacidade – a ser preservado a todo custo, sob pena de, desassistido esse direito, pessoas, públicas ou não, amargarem as consequências da difamação, do oportunismo ou da inépcia autoral.
A inalienável liberdade de expressão
Já no plano da liberdade de informação, é inepto o argumento de que celebridades não são donas de sua vida particular. A mesma Constituição que tem sido brandida como cimento jurídico da tese de que o interesse da sociedade se sobrepõe aos limites da fuxicação garante a todos os cidadãos o direito (e a sua propriedade) sobre sua vida particular. Não se discute se um meio de comunicação divulga informações baseadas em fatos públicos e notórios. Mas a publicação, em jornais ou obras supostamente literárias, de atos praticados ao abrigo da curiosidade pública é uma prerrogativa de seus personagens.
Estes são os pontos básicos dessa questão. A discussão tem resvalado para uma área, a inalienável liberdade de expressão, em que é fácil obter adesão do público, quando, na verdade, trata-se de assegurar ferramentas institucionais que evitem, o mais possível, a propagação de lamentáveis episódios de espetacularização da informação, meio caminho andado para casos de linchamento moral.
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Rodrigo Ribeiro e João Paulo Menna Barreto são advogados