Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Respostas adequadas para a espionagem americana

O discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembleia da Organização das Nações Unidas, condenando a espionagem generalizada promovida por agências americanas de segurança, praticamente encerra mais um capítulo de desentendimentos entre o governo brasileiro e o americano. Ele veio na sequência do cancelamento de viagem oficial da presidente aos Estados Unidos, a primeira de um mandatário do país em duas décadas. Nos dois casos, a razão esteve com a presidente Dilma e a hora é dos diplomatas entrarem em campo para tornar mínimas as sequelas do episódio, deslanchado por um extraviado dos aparatos de bisbilhotagem americana, Edward Snowden. Outra consequência: o lobby americano para a venda dos caças da Boeing estavam perto de frutificar. Dilma adiou sua decisão sobre o assunto para 2015.

Enquanto potências dominantes, os países desenvolvidos criaram uma enorme e burocrática teia de espionagem mútua e de terceiros, que prosperou na Guerra Fria. A substituição dos inimigos – de comunistas para terroristas – deu nova vida a uma atividade que poderia se encaminhar para a periferia do poder. Ao contrário, nos EUA ela se hipertrofiou, enquanto se tornava mais invasiva com o avanço da tecnologia e o progresso da internet. Hoje têm acesso a alguma informação reservada coletada pelo governo americano mais de 3 milhões de pessoas, recrutadas pelo governo ou trabalhando para empresas privadas.

Sócio menor da ordem internacional, o Brasil concentrou seu serviço de inteligência na ordem doméstica e eles se desenvolveram na ditadura militar, com a ajuda dos órgãos de segurança dos Estados Unidos. Ao ganhar peso político na cena externa, o Brasil, para reafirmar sua independência, só poderia repudiar as ações de vigilância da Agência Nacional de Segurança (NSA) americana, que envolveram a Presidência, a Petrobras e sabe-se lá o que mais. Como apontou a presidente Dilma, trata-se de “grave violação dos direitos humanos e das liberdades civis”, além de um “desrespeito à soberania do Brasil”. Entre os europeus, também espionados, houve alguma comoção, bastante hipocrisia e um acerto de bastidores.

Apesar de duas conversas com o presidente Barack Obama, Dilma decidiu não realizar a visita oficial que, de resto, só lhe poderia trazer prejuízos domésticos às vésperas de um período eleitoral turbulento. A temperatura da agenda econômica era quase glacial, com o interesse maior inclinado para o lado americano, que pretende vender caças ao Brasil.

Ainda assim, antes da divulgação do esquema de espionagem global ampla, geral e irrestrita da NSA, a diplomacia bilateral construiu algumas pontes para acordo. O presidente Obama, ao fim da visita de Dilma, manifestaria simpatia pela reivindicação brasileira de obter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e seriam oficializadas concessões mútuas para o uso, pelos EUA, da base de Alcântara.

Algum acordo seria melhor que nenhum em meio a desavenças crescentes. O Brasil cortejou desafetos americanos, como o ex-presidente Hugo Chávez; condenou a solução militar para a Síria, para qual os EUA se prepararam; tem relações amistosas com o Irã, que sofre embargo dos EUA e Europa e impede que um acordo de livre comércio com os americanos se espalhe pela América do Sul.

Em seu mapa econômico, os governos do PT não colocam, erradamente, os EUA como prioridade, que vai para o eixo Sul-Sul. Como membro dos Brics, junta sua voz dissonante à de outras potências emergentes que os EUA não controlam e do qual frequentemente discordam nos organismos internacionais, como China e Rússia – ambas longe de serem exemplos de respeito aos direitos humanos, liberdades civis, respeito à privacidade ou mesmo à soberania de alguns vizinhos.

A presidente Dilma propôs na ONU a discussão de um marco internacional para a internet, que garanta princípios como a liberdade de expressão e a privacidade. A proposta tem tudo para cair no vazio. Ainda que dono da razão no caso da espionagem americana, fica difícil discernir uma política externa que não seja reativa, especialmente em relação aos EUA, a maior economia do planeta, ou acomodatícia, como no caso da relação com seus sócios no Mercosul. O país tem se alinhado a quem, como ele, busca maior espaço e poder de decisão nos organismos multilaterais. Não está claro com que finalidade, exatamente.