Que me perdoem os músicos que defendem a necessidade de autorização do retratado para a publicação de biografias, mas essa é uma posição insustentável. Ela contraria não só o ordenamento constitucional como também princípios elementares da razoabilidade. Alguns experimentos mentais mostram isso com clareza.
Imagine um vilão bem malvado, tipo Hitler ou Stálin. Imagine ainda que ele esteja vivo e morando no Brasil. Pelo artigo 20 do Código Civil, ninguém pode escrever e comercializar uma biografia desse personagem sem seu aval. E será que um retrato de Hitler que contasse com sua aprovação poderia ser fiel à história?
O problema, obviamente, não está restrito a biografias. Imagine que um historiador tenha redigido uma obra sobre acontecimentos recentes do país e, de passagem, ele tenha citado um político que, por alguma razão, não tenha ficado bem na foto. Bem, pelo nosso Código Civil, esse representante do povo, se julgasse que sua honra, boa fama ou respeitabilidade foram atingidos, poderia pleitear e obter da Justiça a proibição do texto. E isso mesmo que ele não seja o fulcro da obra e os fatos relatados sejam rigorosamente verdadeiros.
Regra absurda
Vamos agora dar asas à imaginação. Suponha que alguém decida publicar um índice de todas as condenações judiciais sofridas por um homem público que não goza do favor da mídia, com hiperlink para as sentenças. Obviamente, a vítima dessa biografia tecnológica poderia considerar que sua reputação foi prejudicada e recorrer aos sempre justos magistrados. O que eles deveriam fazer? Deveriam censurar uma publicação que remete a documentos oficiais?
Não tenho nada contra o biografado abocanhar parte dos lucros. Mecanismos de mercado já incentivam acordos, uma vez que é muito mais fácil escrever esse tipo de obra com a ajuda da pessoa retratada. Resta óbvio, porém, que a regra vigente, na forma em que está, é absurda.
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Hélio Schwartsman é colunista da Folha de S.Paulo