O debate em torno da necessidade de autorização dos retratados para a publicação de biografias no Brasil chegou ontem à Feira do Livro de Frankfurt, maior evento editorial do mundo, onde o país vem fazendo participação repleta de protestos.
Convidado para uma mesa sobre livros de história, o best-seller Laurentino Gomes, autor de “1889”, transformou de última hora sua fala num manifesto em defesa das biografias.
Foi motivado, segundo disse, por reportagem publicada na Folha no último sábado, na qual Paula Lavigne, “falando em nome de um grupo de artistas que inclui Chico Buarque, Caetano e Gil, disse: Nosso grupo é contra a comercialização de uma biografia não autorizada’”.
O escritor citou a mobilização do grupo coordenado por Lavigne, o Procure Saber, quando pedia uma fiscalização maior pelo governo do Ecad, órgão responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais de músicas executadas no país.
“Foi lindo, comovente mesmo, ver Paula Lavigne, Caetano Veloso, Roberto Carlos e outros fazendo lobby nos corredores do Congresso e trocando tapinhas nas costas de Renan Calheiros para defender seus interesses econômicos. Agora esse mesmo grupo quer defender seus interesses limitando a liberdade de expressão”, disse.
Para Laurentino, o grupo faz com que o Brasil corra o risco de se tornar “o paraíso da biografia chapa-branca”.
“Artistas, políticos, empresários e escritores são figuras públicas ou porque atraem a curiosidade das pessoas pela sua criação ou porque exercem função de interesse público por afetar a forma como a sociedade se comporta. São, portanto, alvo legítimo da investigação de pesquisadores.”
Dimensão de vida
O escritor lembrou casos de biografias que enfrentaram problemas judiciais, como a de Roberto Carlos, por Paulo Cesar de Araújo.
“A Constituição brasileira é das poucas, senão a única, do mundo que proíbe censura a criações artísticas, o que, no meu entender, inclui ou deveria incluir todos os gêneros literários”, disse.
Mas lembrou o artigo 20 do Código Civil brasileiro, que determina que retratados podem proibir uma biografia se considerarem que lhes “atinge a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” ou se “se destinar a fins comerciais”.
“Tentativas de mudar esse artigo, como o projeto de Newton Lima [PT-SP], ficaram paradas no Congresso, agora com escassa chance de aprovação, alvo de chicanas regimentais de parlamentares, eles próprios interessados em zelar, para usar as palavras do Código Civil, pela própria boa fama’”.
Questionada sobre o assunto em entrevista em Frankfurt, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, disse apenas que “tem escutado todos os lados”.
A questão também ganhou repercussão em coluna do jornal “O Globo” publicada ontem, assinada pelo escritor Francisco Bosco. Para ele, o interesse coletivo não pode se sobrepor à soberania decisória sobre a vida privada.
“Aquilo que torna público um indivíduo é a dimensão de sua vida que ele consagrou à esfera pública, alterando-a. Não foi a sua vida privada que transformou a coletividade. Por isso sou um defensor da free culture – creative commons’, aumento do espectro do fair use’, diminuição drástica do prazo de copyright’ etc. –, mas é fundamental notar que a defesa da soberania da vida privada não se confunde com uma posição conservadora ou privatista no que diz respeito à cultura, precisamente porque a vida privada não pertence à cultura.”
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Cassiano Elek Machado e Raquel Cozer, da Folha de S.Paulo, em Frankfurt