Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Que vergonha, Chico e Gil!

O Brasil é um país onde a democracia é bastante valorizada e vista como uma importante conquista da civilização. Desde que seja no país dos outros…

Chico Buarque é conhecido por suas posições ditas de “esquerda” e Gilberto Gil foi ministro da Cultura no governo Lula e ousou propor alterações na Lei de Direitos Autorais. Pois, agora eles estão juntos de Roberto Carlos, Caetano Veloso, Djavan em um grupo auto-denominado “Procure Saber” que visa fazer lobby contra o Projeto de Lei 393/2011, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), que altera o artigo 20 do Código Civil.

A redação atual deste artigo do Código Civil só permite “a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa “ em três situações: quando for necessária à administração da justiça, para a manutenção da ordem pública ou quando autorizadas pelo próprio. Na prática isso significa que não se pode escrever sobre a vida de alguém a não ser que essa pessoa concorde.

A proposta do deputado acrescenta um parágrafo ao artigo 20 onde se pode ler que “a mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”. Obviamente, o fato de alguém poder escrever sobre uma pessoa pública não isenta o autor de futuros processos por calúnia um difamação. O projeto apenas impede que o biografado tenha o poder de impedir previamente a publicação da obra. Ou seja, impede que se faça censura prévia.

Vacas sagradas

A grande imprensa tem dado destaque para os livros que foram impedidos de serem publicados por conta da atual redação do artigo 20, como foi o caso da biografia de Roberto Carlos, escrita pelo historiador Paulo Cezar de Araújo.

Mas, o tema é ainda mais grave em relação à documentários para cinema ou TV. O principal órgão de fomento ao audiovisual brasileiro, a Agência Nacional de Cinema (Ancine), cobra, para que o projeto de fomento seja aceito, uma autorização do biografado. A Ancine teme que, depois de investida verba pública para a produção da obra audiovisual, esta jamais veja a luz do dia, por não receber uma autorização do retratado.

Com isso, o Brasil passou a produzir apenas documentários chapa-branca, onde o biografado tem interesse em se ver retratado daquele forma. Documentários premiados como “Os julgamentos de Henry Kissinger” ou “Roger e eu” jamais seriam feitos no Brasil, porque seus retratados certamente não o permitiriam. No fundo, trata-se não apenas de um impedimento para o exercício do jornalismo e dos estudos de história como, também, uma prerrogativa de nossas elites que assim garantem o monopólio sobre a forma como seus nomes serão transmitidos à posteridade. Nos livros e documentários, o Brasil passa a ser um país sem contradições, onde as pessoas famosas e ricas são sempre interessantes, inteligentes, honestas e, principalmente, desinteressadas.

Por outro lado, é triste constatar que, quando o assunto é seu interesse próprio, as vacas sagradas da MPB fazem exatamente o contrário daquilo que elas acham ser o melhor para o país. O PL 393/2011 já foi aprovado pelas comissões de Educação e Cultura e Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados e espera decisão do plenário da Casa para seguir ao Senado.

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Gustavo Gindre é especialista em regulação da atividade audiovisual na Ancine e integrante do Intervozes