Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um conflito entre dois direitos

Com dificuldade para resolver o conflito entre liberdade de expressão e direito à privacidade, o Brasil mantém uma tradição conservadora em relação a biografias não autorizadas – como no caso do cantor Roberto Carlos.

As restrições vão na direção contrária de países como Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Espanha, que liberam as publicações e orientam os descontentes a buscar reparação de eventuais transtornos na Justiça. Um exemplo recente da liberalidade da França foi o da biografia do ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn. Ele recorreu à Justiça para tentar censurar o livro escrito por uma ex-amante, mas não conseguiu. Os juízes determinaram apenas a inserção de um anexo dizendo que a obra atentava contra a vida privada de Strauss-Kahn e condenou a editora a pagar uma multa.

Em um manifesto contra a censura de biografias não autorizadas, um coletivo de 50 escritores, jornalistas e membros da Academia Brasileira de Letras afirma que o Brasil é a “única grande democracia na qual a publicação de biografias de personalidades públicas depende de prévia autorização do biografado”. “Tal forma de manifestação encontra-se em risco, em virtude da proliferação da censura privada” critica o texto, assinado por nomes como Zuenir Ventura e Luis Fernando Verissimo.

Lei clara

Juristas divergem sobre a interpretação da lei. Um dos problemas, segundo a advogada especializada em direitos autorais Silvia Kyriakou, é que a Constituição estabelece ao mesmo tempo o direito à privacidade e à liberdade de expressão, sem definir qual seria superior. Para o advogado Hildebrando Pontes Neto, ex-presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral, o direito do biografado deve prevalecer – conforme define o novo Código Civil, em vigor desde 2002 – alvo de um projeto de lei que tenta modificá-lo.

Já o advogado Eduardo Carrion, professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), pensa diferente:

– A Constituição é clara no sentido de impedir a censura, sobretudo a prévia, e assegurar a liberdade de expressão. Se o biografado se sentir lesado, poderá, aí sim, acionar o Judiciário.

******

Letícia Duarte, do Zero Hora