Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Censura nunca mais!

Escrevi e publiquei recentemente duas biografias não autorizadas, uma sobre personalidade viva e outra sobre uma que já é memória. A primeira saiu em 2009 (Atentai bem! Assim falou Mão Santa), sobre o senador piauiense Mão Santa (PMDB), que, com seus discursos e apartes incomparáveis, tornou as sessões do Senado menos enfadonhas, sisudas e tensas, e deu audiência à TV Senado durante o seu mandato, cumprido entre 2003 e 2011. Biografei o senador pelo viés do humor, mostrando suas tiradas fabulosas e também seus tropeços. O humorista Tom Cavalcante saudou o livro com este comentário no Twitter: “Delícia de leitura o livro de Zózimo Tavares sobre o folclórico e gênio Mão Santa. Atentai, Brasil!”

O segundo livro (Petrônio Portella – Uma biografia) foi publicado em junho passado e dedica-se à trajetória política do primeiro ministro da Justiça no governo Figueiredo. Petrônio, senador e presidente do Congresso Nacional duas vezes, passou à história como “arquiteto da abertura”. Como ministro da Justiça, ele foi a primeira autoridade a dar o primeiro passo para acabar com a censura no Brasil pós-64. Como esclarecido, não pedi autorização para escrever nenhuma destas biografias. Também não enfrentei qualquer censura ou restrição por parte do biografado nem de suas famílias. E nem piorei nem melhorei meu padrão de vida com tais publicações, no que pese a boa aceitação que ambas tiveram por parte dos leitores.

Trago este depoimento a propósito da discussão pública das últimas semanas sobre biógrafos, biografados e biografias. Penso que a história de vida de um homem público, ou de uma celebridade de qualquer outra área, é cheia de curiosidades. Por isso mesmo, desperta o interesse das pessoas que as admiram ou as detestam.

Acerto de contas

Ninguém espera a perfeição de um político, de um artista ou de qualquer outra personalidade que venha a ser biografada, mas deseja saber sobre seus instantes luminosos e também sobre seus passos obscuros e ainda sobre suas fraquezas. Escrever uma biografia sem retratar com fidelidade a personalidade enfocada é um desastre. Mesmo os santos tiveram e têm uma vida de altos e baixos, de virtudes e fraquezas.

O livro é uma obra de arte. Como tal, o biógrafo, para contar a vida de sua personagem, deve ter a mesma liberdade que um compositor tem para criar, compor e gravar suas canções. A arte, em qualquer que seja a sua manifestação – música, literatura, teatro, pintura etc. –, é, em essência, arbitrária. Mas ninguém está obrigado a aderir a ela.

Se, na produção de uma biografia, seu autor se excede, que se faça o acerto de contas na justiça, o fórum apropriado. E, nesse caso, que cada um – autor e biografado, ou herdeiros – pague pelas consequências de seu gesto, pecuniariamente ou em desgaste de imagem e de sua credibilidade.

Direitos autorais de São Francisco

Sabe-se, de antemão, que um biógrafo que vá falsificar passagens da vida de seu biografado está condenado ao fracasso. O público leitor no Brasil é ainda muito pequeno. E também muito exigente. Não aceitará pagar por calúnias, injúrias e difamações. E o biógrafo afundará em processos e no encalhe de seus livros.

E, para concluir, cito uma das passagens de meu livro Atentai bem! Assim falou Mão Santa: quando foi candidato a governador do Piauí, em 1994, Mão Santa apresentou-se ao eleitorado com ar messiânico e procurou a todo custo associar seu nome, Francisco de Assis de Moraes Souza, ao de São Francisco de Assis. Em seu programa eleitoral no rádio e na TV, usava e abusava da “Oração de São Francisco”, interpretada pelo cantor Fagner. Conta-se que um emissário do artista procurou Mão Santa para cobrar os direitos autorais. O candidato encerrou a conversa: “Por acaso, o Fagner pagou direitos autorais a São Francisco?”

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Zózimo Tavares é jornalista