Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Chico, Paula e eu

A questão das biografias sempre foi essencial para Chico. Se entendi bem, ele tem mais interesse nisso do que em Ecad ou Procure Saber. Qualquer insinuação de barganha com Roberto Carlos para que este apoiasse as mudanças na gestão coletiva da arrecadação de direitos é injusta com todos nós – mas principalmente com Chico. O respeito à vida privada das pessoas – que é o que move Pedro Cardoso em suas falas públicas – sempre foi um tema que Chico teve no coração e externou em falas definidas. O próprio Chico chamou a atenção da Procure Saber para o fato de que a tomada de posição em conjunto poderia causar problemas de princípios para algum ou alguns de nós. Quem informa colunas de fofoca nem sempre sabe o que é dito nas reuniões. Eis o que me diz agora Chico: “Mais que a questão da privacidade do Roberto Carlos, eu queria tomar partido dele contra os ataques da imprensa estes anos todos. Também apanhei sozinho de toda a imprensa, 20 anos atrás, por ter criticado a crítica musical do país. Fui por isso chamado de censor, autoritário e até de stalinista. Desta vez, pelo menos, tive o prazer de falar no Globo, sem contestação, da censura espontânea da TV Globo nos anos 70. E a ‘Folha’ de hoje, ao dar a matéria em que respondo ao biógrafo do Roberto Carlos, suprimiu o parágrafo em que eu citava os esquadrões da morte na redação da ‘Última Hora’ de São Paulo, propriedade do Frias. E os censores somos sempre nós”.

Preciso esclarecer que não acho que possa haver biografias não autorizadas de políticos mas não de artistas. Reconheço que há uma diferença, cujo exemplo máximo é a informação sobre a saúde de um chefe de Estado: foi errado o governo venezuelano ocultar a verdade sobre a saúde de Hugo Chávez. Contudo dizer que quero biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho mas sofro por ver Gloria Perez diante de um livro escrito pelo assassino de sua filha significa apenas que tendo a querer que biografias sejam livres, mas, se informações sobre Collor ou Jango estimulam essa inclinação, casos como o de Gloria me chamam a atenção para o outro lado do conflito. São os dois gigantes de que Paula Lavigne falou no “Saia Justa”: de um lado, a liberdade de informação; de outro, o direito à privacidade. De todo modo, Marinho não foi político.

Mesma coisa

Meia página da “Folha” exibia, sob minha imagem, a palavra “caetaneando” para divulgar um projeto do grupo que controla o Teatro Folha. Era uma “oficina” que cobrava de quem se inscrevesse R$ 3.600. Pedi pra parar. Vieram com texto que diz “não é biografia”.

Sintomático que justo eu apareça com tanta frequência nas arengas. E que tudo tenha afinal caído sobre Paula Lavigne. Paula foi escolhida pelos conselheiros por causa de sua capacidade de fazer as coisas andarem. Não está ali por ser minha empresária ou por ter sido minha mulher. É quase apesar disso. Só fez justiça a ela o Paulo Nogueira, editor do site Diário do Centro do Mundo. Os xingamentos e as distorções não podem esconder o fato de que sua beleza, seu carisma e sua sinceridade deram vida ao programa de TV a que foi. E que é sua coragem que a leva a pôr a cara a tapa. Nossos erros foram pescados e artificialmente conectados para nos desqualificar. Mas ela e eu, com nossos problemas privados, podemos ser força pública útil, mesmo em desacordo sobre o centro da discussão. O Globo constrangido! Por Chico ou por mim? Creio que o caso dele com a TV Globo é fato inconteste. E minha opinião sobre a matéria a respeito de vândalos e professores é mesmo de que foi tendenciosa. Bios?: Francisco, Wisnik e Mautner falam por mim (notem que os três não dizem a mesma coisa: Bosco: privacidade; Mautner: futurologia; Wisnik: vozes livres).

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Caetano Veloso é cantor e compositor, colunista de O Globo