Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Cuba ensaia reforma na mídia estatal

Na esteira das reformas econômicas lentas e pretensamente controladas, Cuba dá sinais de que deseja arejar a caricata imprensa oficial, que começa a enfrentar tímida concorrência na internet e fora dela.

O ditador Raúl Castro já havia feito críticas ao laudatório e censurado jornalismo estatal –o único permitido em escala no país comunista– e, em julho, foi a vez de seu número 2, Miguel Díaz-Canel, cobrar mudança de atitude. “O problema não é só dos jornalistas, é do Partido [Comunista] em primeiro lugar”, disse.

A primeira consequência apareceu há cerca de um mês, quando o principal noticiário da TV estatal estreou seção que se autodenomina “crítica”, a “Cuba Diz”.

Em reportagens de cerca de dez minutos, que vão ao ar duas vezes por semana, cubanos nas ruas reclamam de temas como habitação, transporte e preço dos alimentos.

A edição mais rápida, a trilha sonora e a crítica –mesmo que não mencione temas políticos diretamente– causam imenso contraste com o engessado programa.

Sinal da orientação para “revisar” o setor, a TV cubana em si foi assunto da “Cuba Diz”, deixando pistas de por que o governo parece preocupado em aumentar a relevância dos meios oficiais.

“O noticiário da TV cubana tem que mudar, compreende? [Tem de ser] parecido com a Telesur. O noticiário da Telesur já ultrapassou o nosso”, opinou um senhor no “Cuba Diz” há dez dias.

No começo do ano, a venezuelana Telesur, rede de TV chavista, passou a transmitir 14 horas por dia em sinal aberto, e o impacto foi imediato.

Trata-se do único canal em Cuba de cobertura ampla e transmissão ao vivo de eventos como a posse do presidente americano, Barack Obama, ou protestos no Brasil.

Independentemente da orientação esquerdista, o acesso ao noticiário mundial no país de rarefeito acesso à internet é comemorado.

Mudança no “Granma”

A mídia oficial também fala da concorrência da espécie de “internet à cubana”, com pen drives que fazem circular informação na ilha.

“As notícias circulam entre os que não estão conectados pelas redes com pen drives ou CDs. Quem assegura que, se os meios de difusão cubana não dizem, o público não vai ficar sabendo?”, escreveu Paquita Armas no site Cuba Debate, o mais nobre da rede oficial cubana.

Na semana passada, foi a vez de os dois principais jornais da ilha, o “Granma” e o “Juventud Rebelde”, mudarem de direção.

A nota no “Granma”, um tabloide de apenas oito páginas para a ilha de 11 milhões de habitantes, falava que o diretor Lázaro Barredo Medina sairia para promover “renovação”. O diretor do “Juventud”, menos antiquado, assumiu o posto.

O espírito de tímida abertura aparece na publicação este ano, a preços populares, de “Últimos Soldados da Guerra Fria”, do brasileiro Fernando Morais. Apesar de contar a história que agrada ao regime (a saga dos agentes cubanos presos nos EUA), o livro traz, por exemplo, um capítulo sobre um escritor dissidente que sofreu com caprichos de Fidel Castro.

Outros desses sinais seria a premiação, em 2012, do escritor cubano Leonardo Padura, perfilado na revista “New Yorker” desta semana.

Esquizofrenia

O limite do tolerável é o próprio discurso de Raúl. ONGs seguem, por exemplo, registrando a prisão de jornalistas independentes.

Pode-se falar mal da economia, mas não do modelo político –ainda que a Igreja Católica, o mais importante ator político em Cuba fora do Estado, trate do tema.

A situação transforma o debate público em “esquizofrênico”, em que o social “é um dano colateral” e o político, “um campo minado”, escreveu o sociólogo cubano Haroldo Dilla, que vive na República Dominicana.

“Não podemos seguir insistindo na unidade monolítica, ainda que adornada com toques pluralistas”, disse.

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Flávia Marreiro, da Folha de S.Paulo