Foi com grande espanto que li, quarta, declaração de Chico Buarque aqui no GLOBO, afirmando que jamais me deu uma entrevista. Ou seja, ele alega que eu teria faltado com a verdade ao incluí-lo entre as fontes listadas na biografia “Roberto Carlos em detalhes”. Ocorre que Chico Buarque foi, sim, uma das 175 pessoas que entrevistei para a pesquisa que resultou naquele livro. O artista certamente se esqueceu, mas ele me recebeu em sua casa, na Gávea, na tarde de 30 de março de 1992. E esta entrevista, com duração de quatro horas, foi gravada, filmada e fotografada. Falamos muito sobre censura, interrogatórios — creio que por isso ele escreveu, junto com o autógrafo que me deu na capa do disco “Construção”: “Para o Paulo, meu amável interrogador, com um abraço do Chico Buarque. Rio, março/92.”
Naquela entrevista, Chico me falou sobre as principais fases e canções de sua carreira. Uma de minhas perguntas foi sobre sua relação com Roberto Carlos nos anos 60, quando ambos representavam polos opostos na nossa música popular — suas frases estão reproduzidas na página 184 da biografia que escrevi.
No seu artigo o cantor também negou uma declaração dele que reproduzo no meu livro anterior, “Eu não sou cachorro, não”. No livro eu cito a fonte: “Última Hora-SP”, 28/06/1970 — mesmo jornal para o qual, em 1974, o próprio Chico daria uma famosa entrevista, sob o pseudônimo de Julinho da Adelaide. Esta entrevista está no seu site. Resumindo: no seu artigo, Chico dá a entender que o jornal era desprezível, mas ele falava, sim, com seus repórteres. Pois bem. Ele disse no artigo ser impossível ter “criticado Caetano e Gil, então no exílio, por denegrirem a imagem do país no exterior”. Ocorre que a crítica registrada na “Última Hora” não tinha este viés nacionalista. O que ele criticava era o fato de os baianos usarem a condição de exilados para sensibilizar os ingleses e fazer sucesso: “Nos cartazes de publicidade que eles mandaram imprimir, consta que foram banidos do país. Isso é ridículo, querer vencer pela pena.”
Registre-se que na época Chico andava mesmo afastado de Gil e Caetano por conta de rusgas desde a eclosão do tropicalismo — o que Chico confirmou ao “Pasquim”, em 1970. Trecho: “Eu perdi o contato com eles, perdi a amizade deles. Então eu não entendo mais se o Caetano é o mesmo que eu conheci”. Nesse mesmo papo com o “Pasquim”, Chico se mostrou também desconfiado da gravação de “Carolina”, feita por Caetano. “Eu ouvi o disco uma vez só e confesso que não gostei e não quis ouvir mais porque é um problema em que eu não estava a fim de ficar pensando: será que ele gravou de boa-fé ou de má-fé?” Portanto, neste contexto, acho bastante possível ele ter feito também aquela declaração sobre os baianos na “Última Hora”. Por isso, incluí sua declaração no livro. Faz parte do meu ofício de historiador.
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Paulo Cesar de Araújo é historiador e escritor