O debate sobre biografias divide advogados em relação ao direito à privacidade –reclamado por músicos e artistas que fazem lobby contra a publicação dessas obras sem prévia autorização.
“A discussão descambou para o lado passional”, diz o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, 56, que presta consultoria jurídica ao cantor Roberto Carlos e frequenta reuniões do grupo Procure Saber (composto por Roberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque etc.).
A legislação brasileira exige a anuência prévia para a publicação de biografias, o que dá brechas à proibição da comercialização.
À Folha, Kakay e o advogado Gustavo Binenbojm, representante da Anel (Associação Nacional de Editores de Livros), expuseram seus argumento sobre a questão.
Privacidade
Segundo Binenbojm, é impossível haver autorização prévia só para alguns biografados porque a única distinção possível é entre pessoas anônimas, que têm mais direito à privacidade, e envolvidas em fatos de interesse público.
Kakay distingue políticos de artistas e músicos. “O artista só deve abrir mão da intimidade relacionada a sua profissão, diferentemente de um senador ou prefeito”, diz. Ele defende que a distinção entre o agente público, o homem público e o cidadão comum seja feita por meio de jurisprudência, sem mudança na legislação. “O julgamento deve ser feito caso a caso.”
Pagamento
Binenbojm é contrário à remuneração ao biografado e seus herdeiros, uma reivindicação dos músicos. “A historiografia social não é propriedade individual de seu protagonistas. Quando escreve uma biografia, é o autor quem concebe a forma de organizar e criar a obra. Os direitos sobre a obra pertencem a ele.”
Kakay defende esse tipo de pagamento, contanto que seja posterior à publicação. “Quem tem sua história comercializada deve ter uma recompensa. Mas quem for questionar uma obra depois na Justiça não pode ter direito a um percentual”, diz.
Indenização
Para Binenbojm, não há nenhuma solução para o dano que uma obra pode causar ao biografado senão o direito de resposta e os processos por danos morais, injúria, calúnia ou difamação. “Qualquer outro remédio é censura”,diz. “As indenizações no Brasil são altas. O problema é a Justiça lenta.”
Kakay afirma que as indenizações no Brasil são “ridículas”. “Há demora na reparação e os valores são ínfimos.”
Audiência pública
Na semana passada, o Procure Saber apoiou publicamente a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias.
A norma é questionada no Supremo Tribunal Federal pela Anel, que a considera inconstitucional. A ministra Carmen Lúcia, relatora dessa ação, disse que fará audiência pública a respeito.
O Procure Saber deve entrar no processo como “amicus curiae” (parte interessada). O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a ONG Artigo 19 já atuam na ação por meio do mesmo dispositivo.
Em sua coluna no jornal “O Globo”, Caetano defendeu a publicação de biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho, mas pediu reflexão sobre “as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez [que tirou de circulação um livro escrito pelo assassino de sua filha]”.
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Juliana Gragnani, da Folha de S. Paulo