Não há incoerência ou equívoco que já não tenha sido exposto no inventário desse enorme estrago que Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Roberto Carlos estão anexando às suas biografias
Como biógrafo de Ayrton Senna e de João Havelange, sinto-me muito bem representado nos artigos e depoimentos publicados recentemente sobre a posição do grupo Procure Saber. Não há absurdo, incoerência ou equívoco que já não tenha sido exposto no inventário desse enorme estrago que Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Roberto Carlos, entre outros, estão anexando voluntariamente às suas respectivas biografias.
Resta, no entanto, uma pergunta: o que – de bom, ruim, controverso ou polêmico – esses quatro gigantes da MPB querem evitar tão intensamente que seja publicado e que já não tenha sido dito ou contado em centenas de entrevistas, reportagens, livros, documentários e programas de rádio e televisão produzidos sobre eles – com ou sem as respectivas anuências – nas últimas décadas? Uma simples consulta ao que já é público nos permitiria contar muito bem a história pessoal e profissional de cada um deles. E com intimidades que eles próprios decidiram compartilhar com seus milhões de admiradores.
O que mais aconteceu que não sabemos?
Troca-troca
João Havelange, como mostro no filme “Conversa com JH”, investiu contra o livro que escrevi sobre a vida dele disposto a impedir que eu desse espaço aos seus críticos e adversários, mostrasse a importância de Pelé na sua chegada à presidência da Fifa em 1974, reconstituísse a derrota política que ele sofreu na definição da sede da Copa de 2002 e, principalmente, sequer mencionasse as suspeitas sobre o que só seria confirmado pela Justiça da Suíça seis anos depois da publicação do livro: a propina de mais de US$ 20 milhões que ele e seu ex-genro Ricardo Teixeira receberam da ISL, empresa de marketing pertencente à Adidas.
Havelange e Teixeira, até onde eu sei, não são signatários do Procure Saber. Mas seria compreensível, ainda que não necessariamente justificável, que, por motivos semelhantes, personalidades públicas brasileiras como, por exemplo, o deputado Paulo Maluf e os senadores Renan Calheiros e José Sarney, para citar apenas algumas biografias certamente cabeludas, comungassem das preocupações que inspiram o movimento Procure Saber.
Mas Chico? Caetano? Gil? Jorge Mautner?
Não acredito, sinceramente, que exista algo de grave para se esconder na vida desses geniais brasileiros. Da mesma forma, não acredito que Chico, Caetano, Gil e Roberto, lá no fundo e do alto de suas poderosas arrecadações de direitos, acreditem que um biógrafo possa fazer fortuna, no Brasil, contando a história da vida deles ou de qualquer outra pessoa.
A propósito, como prova transparente de que nós, biógrafos, não somos os capitalistas predadores denunciados por Djavan, até pensei em propor, aos líderes do Procure Saber, trocar toda a receita que obtive pela venda da biografia de João Havelange nos últimos sete anos pelos direitos de uma, apenas uma música de Chico ou de Gil, meus preferidos.
Não o fiz. Seria crime de estelionato.
Até hoje a venda do livro não cobriu o adiantamento que recebi da editora.
******
Ernesto Rodrigues é jornalista e escritor