Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A polêmica das biografias e o grupo Procure Saber

A ditadura militar brasileira é um fato que representa o passado negro do nosso país, sendo a personificação de ideais a serem combatidos nos atuais tempos de democracia, a qual supostamente gozamos.Neste triste período, onde a concepção de democracia era uma afronta ao governo, diversos grupos revoltosos surgiram, dentre estes, os que ostentam prestígios oriundos desta época até hoje, como a dita classe de músicos/intelectuais brasileiros representada por alguns dos maiores intérpretes da MPB, que outrora pautaram suas músicas em críticas ao governo militar e à defesa da liberdade e igualdade entre todos os membros da sociedade.

No entanto, estamos em novos tempos, o governo militar é um fantasma do passado assim como a postura apresentada em verso e canção de grande parte dos músicos da MPB na época da ditadura. Refiro-me aos integrantes do dito grupo Procure Saber, cujos membros, opostamente ao que diziam, se unem sobre ideais antidemocráticos e procuram hoje aprovar uma legislação que ofende a constituição e os direitos de livre expressão que devem ser inerentes a todos. Os integrantes deste grupo levantaram a polêmica das biografias propondo uma lei que censure o trabalho dos pesquisadores segundo um único critério ditatorial. Caso o dito pesquisado aprove, segundo a sua vontade, a pesquisa do autor, este deve pagar um tributo, digamos um “troco”, para o pesquisado, a fim de que o biografado ganhe um dinheiro fácil às custas do trabalhador.

Fato histórico é que todo algoz tende a se colocar no papel de vítima quando questionado sobre os seus reais intentos, e na polêmica das biografias não é diferente. Armados das duas principais argumentações, de fundamentação pobre, o grupo Procure Saber alega que a criação da lei é procedente para evitar difamações a respeito de figuras públicas; e que se estão escrevendo sobre um “artista” este tem o direito de receber determinado valor em cima do trabalho do pesquisador, apenas pela utilização da imagem pública pesquisada de determinado indivíduo como assunto para um compilado de informações (caso o biografado aprove a biografia conforme o gosto do seu agrado). É uma lógica perversa esta a que este grupo se propõe seguir, muito semelhante à postura do governo militar, em impor regulamentações que cerceavam os direitos e liberdades da população. É evidente que a proposta, além de ter o caráter de censura, a fim de evitar a exposição dos fatos públicos negativos a respeito de uma pessoa, ela oprime também pelo viés do capital ao explorar o trabalhador sem contrapartida alguma a este (é taxar tributos pela simples citação, ou inspiração, em informações públicas registradas por diversos meios que estão sendo retransmitidas).

Faltam deveres, sobram direitos

Pense bem sobre o impacto na sociedade brasileira que esta lei pode trazer: a lei não deve discriminar nenhum membro da sociedade, sendo que uma vez que seja aprovada ela valerá para todos, inclusive políticos envolvidos em escândalos de desvio de bens públicos, por exemplo, aos quais também terão o papel de censor para aprovar um relato sobre sua postura pública (e ganhar um troco com isso); ou censurar a pesquisa por pesar no que trará mais benefícios a sua pessoa. Exemplifico um caso batido da história recente do Brasil com o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello, o qual, todos sabem, foi vítima do impeachment, pois sob o peso desta lei, se aprovada, ele poderá ditar o que deseja ou não que seja publicado sobre sua conduta pública, pesando sobre o seguinte julgo de valores: “O que será mais rentável, esconder os escândalos públicos sofridos ou ganhar uma determinada quantia sobre o trabalho de quem publicar algo sobre o assunto?”

Por este viés vemos o quão absurdas são as ideias que transitam pelos membros do grupo Procure Saber, onde, rebatendo a argumentação do grupo sobre a necessidade da aprovação da lei pelo simples fato das figuras públicas no Brasil serem vítimas de difamação, resta a resposta óbvia: caso um dito pesquisador realize um suposto trabalho biográfico sobre qualquer pessoa, e determinados fatos desagradem o pesquisado, o queixoso pode entrar com um processo judicial a respeito de calúnia e difamação. Neste processo, o pesquisador deve comprovar perante a lei suas fontes de pesquisa e, caso não as tenha, fica estabelecida, ou não, as provas a respeito da queixa de calunia e difamação. Ainda mais, a respeito sobre este posicionamento, transita em matérias de blogs e jornais, que tratam da polêmica das biografias, que a esfera judicial no nosso país apresenta várias deficiências que não levam à justiça os difamadores. Pois se tal afirmativa procede, não seria lógico que os membros do Procure Saber unissem forças para cobrar a melhoria do sistema judicial brasileiro, ao invés de propor leis que diminuam os direitos de liberdade do cidadão em detrimento do bem estar, único e exclusivo, das figuras públicas do país que representam as elites econômicas?

É facilmente percebido, ainda com poucos argumentos em um texto sucinto, desmantelar a argumentação do grupo Procure Saber e revelar os verdadeiros propósitos. É fato a presente relação indissociável entre governantes e mídia brasileira, onde ambos nutrem uma parceria não formal de interesse mútuo na tarefa de iludir a população, representada em sua maioria pelos trabalhadores, a fim de manter imutável o sistema de exploração do proletariado pela elite econômica burguesa, acentuando o abismo que há entre as classes sociais. Estas duas categorias, membros da mídia e do corpo legislativo que apresenta representantes em sua maioria oriundos das elites da burguesia nacional, dificilmente trabalharão para um sistema mais igualitário e justo, visto que o sistema econômico brasileiro se demonstra em um estado de perfeição para quem goza das vantagens da desigualdade social. Querendo ampliar este estado de perfeição econômica que o Brasil apresenta, surgem ideias e projetos de leis tais quais as que os membros do Procure Saber apresentam. Impulsionados pela mídia, da qual fazem parte, tentam obter, através do artifício de ludibriar, o consentimento moral do povo para uma nova legislação que visa aumentar o abismo entre as classes sociais, e a aprovação da dita lei que irá beneficiar qualquer sujeito que tenha algo a esconder. Reforçando que o dito projeto de lei referente às biografias abrange a todos, incluindo criminosos, psicopatas, estupradores, políticos corruptos, enfim, toda a gama da sociedade, e conforme é sabido o sistema judiciário brasileiro pune com rigor apenas quem não detém o poder do capital. Para a outra parcela da sociedade restante, as elites econômicas representadas principalmente pelos políticos, membros da mídia e donos de grandes grupos comerciais, falta punição e deveres quando devidos ao mesmo passo que sobram direitos para que gozem.

Ricos burgueses

Agora cabe a pergunta que não quer calar do “Quem te viu, quem te vê?” aos grandes nomes da MPB do Procure Saber. A questão é simples, esses nomes que ganharam fama criticando a ditadura militar, posicionando-se como ‘intelectuais’ formadores de opinião, eram apenas contra a ditadura militar, e se realmente eram, mas nunca foram favoráveis às concepções de igualdade entre todos em uma sociedade e os ideias da democracia. Como demonstra as famigeradas biografias a maior parte dos integrantes vieram de famílias abastadas economicamente e suas queixas a respeito do governo militar se davam pela falta de liberdade de um rico burguês explorar, o quanto desejar, o trabalhador (papel este de explorador que era de responsabilidade controlada pelos militares na época).

Após a queda do governo militar se deu a ascensão ao poder político das elites econômicas no Brasil, e esses bem abastados descontentes do regime de outrora se encontraram face a face com um Estado a ser construído pela vontade das elites econômicas e que resultou no Brasil das desigualdades sociais que vivemos hoje. Demonstra-se assim que não cabe ao povo trabalhador questionar criticamente e cobrar mudança de postura apenas do poder legislativo da nação, mas é de suma importância voltar os esforços também contra quem financia todo este sistema opressor. Antevendo árduas críticas a esta observação, onde possa ser alegado erroneamente que está sendo pervertido a boa vontade dos membros da mídia e o apreço que estes tem pela nação, indago por onde andaram esses mesmos integrantes do Procure Saber todas as vezes que houve manifestações populares referentes à cobrança de direitos negados?

Como se deu o posicionamento destas celebridades em face das manifestações que tomaram as ruas do país recentemente, e as mais antigas, oriundas dos grupos da sociedade civil organizada?

As respostas a estas questões são óbvias, não houve posicionamento algum ou qualquer colaboração positiva a fim de auxiliar o proletariado nas lutas pela igualdade entre todos, (luta esta que causa temor às elites econômicas apenas de ser mencionada). Esses indivíduos do Procure Saber estavam, e sempre estiveram, preocupados única e exclusivamente em ganhar mais dinheiro fácil, preocupados também com suas vidas de ricos burgueses no “melhor” estereótipo que este termo pode levantar.

Finalizando aqui a argumentação, deixo posto o reforço que os debates acerca da polêmica das biografias é mais uma estratégia oriunda da classe dominante a fim de subjugar pelo poder da lei e explorar ainda mais a mão de obra da classe trabalhadora brasileira, enriquecendo às custas alheias e cerceando os direitos das maiorias em detrimento do bem estar das minorias.

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Antoni Wroblewski é professor, Curitiba, PR