A Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) bisbilhotou as conversas da chanceler alemã Angela Merkel no celular? Durante talvez dez anos? E o presidente Barack Obama não sabia de nada? Ou alguém está mentindo ou Obama terá de admitir que a NSA, em busca da onisciência, está fora de controle. A Casa Branca não desmentiu as notícias – cortesia das revelações proporcionadas pelo delator Edward Snowden – segundo as quais a agência grampeou o celular de Merkel. O secretário de imprensa, Jay Carney, disse que “os EUA não estão monitorando e não pretendem monitorar as comunicações da chanceler”, o que evidentemente soa como uma admissão de que o “monitoramento” ocorreu no passado.
O problema é esse. Merkel é a líder da Europa, o que a torna, do ponto de vista dos EUA, talvez a aliada mais importante do mundo. Ela e Obama não só têm um profundo respeito mútuo, como também um relacionamento excelente – ou pelo menos tinham. Merkel, profundamente irritada, exigiu uma explicação e disse que esse tipo de espionagem “constituiria uma grave quebra de confiança”.
E há outra coisa: a mídia noticiou que a chanceler foi um dos 35 líderes mundiais cujas comunicações telefônicas privadas foram interceptadas pela NSA. O Wall Street Journal disse que Obama desconhecia essas escutas até alguns meses atrás, quando foi feita pelo governo uma averiguação interna.
Grampos na Espanha e na França
Como foi possível isso? Pensaríamos que Obama, tendo recebido informações estritamente íntimas a respeito dos comentários ou das intenções de um líder estrangeiro, indagaria de que modo essas informações foram coletadas. Seria um absurdo que ele contivesse a curiosidade a fim de preservar sua “possibilidade de negar”, pois todo presidente é responsável pelas atividades nas quais seus espiões são apanhados.
É igualmente um absurdo que a NSA possa decidir por conta própria, sem uma supervisão competente, invadir a privacidade de um líder de um país soberano, que dirá de 35. O que fez a agência com os segredos de que ela se apossou? Essas informações continuam armazenadas? Será que os líderes estrangeiros em questão – nem sequer sabemos quem são – acreditam que não haja nenhum problema no fato de a NSA saber tudo a respeito das suas conversas particulares, assim como os americanos supostamente acreditam que é aceitável que a agência guarde um registro de todos os nossos telefonemas?
E há mais ainda. Na segunda-feira, os jornais espanhóis noticiaram que a NSA compilou um arquivo detalhado de 60 milhões de telefonemas mensais na Espanha, desde dezembro do ano passado. Há outros relatórios semelhantes da varredura realizada pela NSA ao longo de um mês de informações telefônicas na França, que teria captado 70 milhões de chamadas. Os funcionários espanhóis e franceses também exigem uma explicação.
Atitude burra e contraproducente
A agência tem defensores. “O presidente deveria parar de se desculpar e parar de ficar na defensiva”, afirmou o deputado republicano Peter King, de Nova York, no programa Meet the Press, alegando que a espionagem da agência “salvou milhares de vidas, não apenas nos EUA, mas também na França, Alemanha e em toda a Europa”.
E depois, disse King, “quem são os franceses para falar?” Eles espionam rotineiramente os EUA. Além disso, grande parte do planejamento dos ataques de 11 de setembro de 2001 foi feita em Hamburgo, debaixo do nariz das autoridades alemãs. E países europeus, às vezes, têm “negócios” com países hostis, como o Irã e a Coreia do Norte.
É um ponto de vista. De acordo com outro, afastar-se de líderes fundamentais – e de amplos setores da opinião pública – em países amigos é uma maneira burra e contraproducente de combater o terrorismo. Depois dessas revelações, será que as agências de inteligência francesa, alemã e espanhola mostrarão uma maior cooperação com sua equivalente americana? Ou menor?
Mais ilusão que panaceia
Na minha opinião, tudo isso é coerente com o objetivo aparente da NSA de ficar sabendo, basicamente, de tudo. A agência coleta o maior número possível de informações, de maneira indiscriminada, com base na teoria de que, caso monte um banco de dados de todas as comunicações do mundo, as poucas que um país procurar – as que envolvem atividades terroristas – terão de estar lá, em algum lugar.
Não se trata apenas de uma gigantesca invasão de privacidade que, compreensivelmente, irrita gente na França, na Espanha e em outros países. É também um erro. Enquanto os analistas da NSA selecionavam bilhões de gravações telefônicas, não sabiam que um dos seus próprios analistas contratados, Snowden, estava prestes a vazar todas as suas preciosas informações.
O imenso volume de dados acabará se revelando mais uma ilusão do que uma panaceia. A agência aprenderá – não da maneira mais difícil, espero – que, infelizmente, saber tudo, no fim, significa não saber absolutamente nada.
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Eugene Robinson é colunista do Washington Post