Nos últimos 20 anos, fui convidado –pelas próprias pessoas ou por seus herdeiros– a escrever a biografia de pelo menos quatro divas do teatro, vários compositores e músicos, um poeta, um costureiro, um cineasta, dois cartunistas, uma lenda da televisão, atletas, empresários, políticos, dois banqueiros e até a saga de duas fascinantes famílias.
Todos eles, grandes nomes (talvez os maiores em seus ramos) e, com uma ou duas exceções, dignos de admiração –suas vidas e realizações poderiam render livros importantes. E houve casos em que a oferta de dinheiro pelo trabalho era quase irresistível. Agradeci e recusei delicadamente todas as propostas.
Aleguei que, por serem encomendas, não teria liberdade para trabalhar –condição que sempre estabeleci para mim. Mas, como achava que suas histórias mereciam ser contadas, podia sugerir-lhes profissionais que dariam conta do recado. Alguns desses grandes nomes aceitaram minhas sugestões, e suas biografias –autorizadíssimas– foram publicadas, para gáudio de seus amigos e de poucos mais.
Filigranas inéditas
A biografia autorizada é um fato. Sempre existiu e ninguém pode ser proibido de contratar uma pena de aluguel para compor rapsódias a seu respeito. Mas ela serve mais à vaidade pessoal de seu objeto do que para o verdadeiro conhecimento do dito objeto. Para uma nação, reduzir o estudo de sua história a esse tipo de instrumento viciado é cometer suicídio cultural.
Os verdadeiros biógrafos trabalham de forma diferente. Exigem independência, sem a qual nenhum rigor na apuração das informações será possível. No Brasil, essa independência está à mercê dos poderes competentes. Contra ela, buscam-se jabuticabas jurídicas –filigranas inéditas em outros países–, na forma de “ajustes” ou “meios-termos”, para no fundo deixar tudo como está.
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Ruy Castro é colunista da Folha de S.Paulo