Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Abordagem midiática em um caso de delinquência

Os jornais de Ribeirão Preto trouxeram no último dia 15 de outubro o caso de adolescentes, possivelmente acompanhados por uma criança de seis anos, que invadiram uma Unidade Básica de Saúde (UBS) na Vila Recreio. O caso é delicado, pois traz à tona o debate sobre vários aspectos envolvendo a criminalidade infanto-juvenil, como a redução da maioridade penal, que será tratado em artigo posterior. Neste, tentarei explicar o ocorrido. Porém, devido às várias e contraditórias versões jornalísticas, a tarefa não é fácil.

Antes de compartilhar minha visão sobre o “tratamento” dado pela mídia local, preciso descrever o cenário dessa história: Ribeirão Preto situa-se no interior do estado de São Paulo, a 310 quilômetros da capital, na região noroeste. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem quase 650 mil habitantes, o 10º maior PIB do estado e o 30º do país. A economia tem como bases a prestação de serviços e o agronegócio, que atraem trabalhadores e investidores de várias partes do país e do mundo.

A UBS citada localiza-se na Vila Recreio, bairro do subsetor Norte, região que apresenta a maior densidade demográfica e a menor renda per capita da cidade. Além de habitações regulares, também abriga as favelas da cidade.

Sem vagas

Circulam atualmente em Ribeirão três jornais impressos. São eles: Folha de S.Paulo (caderno Ribeirão), A Cidade e Tribuna. No caso aqui abordado, levarei em conta, além desses, o site de notícias G1, que também faz a cobertura local em Ribeirão. O caderno Ribeirão da Folha de S.Paulo traz a seguinte manchete: “Meninos de 6 e 12 anos são suspeitos de atear fogo em UBS”. Na matéria consta: “… vizinhos dizem ter visto dois meninos entrando na unidade. (…) Um pênis de borracha usado para instruções sexuais e preservativos foram furtados, além de cartões de vale-transporte. (…) A mãe do menino de seis anos esteve na unidade de saúde no início da manhã desta segunda para devolver alguns preservativos.”

No G1, o título é: “Adolescentes promovem baderna em unidade de saúde de Ribeirão Preto”. A reportagem traz: “Segundo a Prefeitura, um grupo de adolescentes teria participado da invasão do prédio (…) ‘Esvaziaram três extintores de incêndio quebraram janelas, colocaram fogo em uma maca e arrobaram os 40 armários usados pelos funcionários. (…) Eles também furtaram pequenas coisas, como termômetros, preservativos e bolachas. Não mexeram em computadores e coisas caras’, diz Quintela. (…) O gerente da unidade disse que, nesta manhã, uma mãe que mora no bairro flagrou o filho de seis anos com preservativos e produtos médicos. Após descobrir que o posto havia sido furtado, a mulher levou a criança até o local para devolver os itens. Segundo a mãe, o menino relatou que guardou os objetos furtados para os suspeitos, que os retirariam da casa dele nesta segunda. A criança contou que brincava no parque ao lado da UBS, quando viu o adolescente de 16 anos entrar na unidade e que ele mandou que ela ficasse com os objetos. O menino afirmou que não invadiu o prédio (…).”

O site do jornal A Cidade noticia: “Menino de seis anos participa de ‘quebra-quebra’ em prédios públicos de Ribeirão Preto”. A matéria relata: “Três adolescentes, um deles com 15 anos, e uma criança de seis anos invadiram três prédios públicos e praticaram atos de vandalismo que assustaram a comunidade da Vila Recreio (…). (…) ‘Eles destruíram tudo, colocaram fogo no divã médico e jogaram pó químico pela unidade toda e destruíram quarenta armários. Eles levaram coisas pequenas e de pequeno valor como termômetro, preservativos e bolachas’, diz Ernesto Quintella, gerente da unidade. Hoje (14/10) pela manhã, a mãe do menino de seis anos foi até o posto de saúde entregar o que ele havia levado para casa: absorvente, palha de aço e preservativo. Ela tem mais três filhos, de oito, quatro e seis meses. ‘Ele falou para mim que é do posto de saúde. Tomei as coisas dele e vim entregar no posto e fiquei horrorizada com o que eles fizeram. Até fogo colocaram no posto’. Segundo a mãe, ela o procurou no sábado, mas não o encontrou. Ela diz que ele não estuda porque não encontrou vaga em escola. ‘Se ele tivesse indo na escola, os amigos dele seriam diferentes. Não sei o que fazer’. O garoto confirma que invadiu o posto de saúde com os adolescentes e diz que levou os objetos para casa a pedido de outro menor chamado G. ‘O G. mandou que eu guardasse as coisas que ele pegaria comigo depois’, afirmou o menino, que admitiu ter acompanhado os adolescentes na ‘façanha’.”

Cargos de confiança

Na Tribuna, a manchete é: “Garoto estava em ato contra UBS”. A matéria conta: “Um menino de seis anos foi identificado na manhã dessa segunda-feira, 14 de outubro, como um dos vândalos que destruíram parte da Unidade Básica de Saúde (UBS) da Vila Recreio (…). Outros dois adolescentes estão envolvidos. O menino foi levado à unidade básica pela mãe após a mulher encontrar uma sacola na casa com preservativos e produtos médicos. Ao saber que o posto havia sido furtado, a mulher fez a criança ir ao local devolver os itens. Segundo a mãe, o menino relatou que guardou os objetos para os outros suspeitos. O menor contou que brincava no parque ao lado da UBS quando viu os adolescentes entrando na unidade e entrou também.”

As diferentes e, em alguns pontos, conflitantes versões sobre este fato servem para alertar quanto à delicadeza do assunto. Sabe-se que a mídia é o principal meio de formação de opinião da sociedade. Quando jornais tratam uma criança como vândalo, e quando apenas um, dos quatro veículos de comunicação, menciona que esta mesma criança não frequenta a escola por falta de vaga, há que se refletir mais profundamente sobre o tipo de informação que está sendo passada.

Como estudante de comunicação, questiono a falta de preparo ou de boa vontade para fazer a reportagem sobre esses acontecimentos, infelizmente, corriqueiros no jornalismo. O problema, neste caso, é que as carências podem contribuir (e contribuem!) para a construção da ideia de que as crianças e adolescentes devem ser punidas como adultos. Na página do Facebook do jornal A Cidade, um leitor postou o seguinte comentário: “Liga, não… O Estatuto da Criança e do Adolescente serve é pra isso mesmo, formar marginal…” No site da Folha, encontramos: “É demais! Mais delinquentes pra acabar com o bem público que nós trabalhadores pagamos.” No G1, temos: “Se a administração municipal não gastasse tanto dinheiro com o cabide de emprego dos funcionários comissionados (cargos de confiança e de interesse eleitoreiro), certamente sobraria dinheiro para que ter um vigia noturno no local. Onde estão os guardas municipais? Pelo que eu sei uma das funções da Guarda Municipal e zelar pelo patrimônio público.”

Onde ficou a verdade?

Nos comentários, nenhuma discussão sobre o acesso à educação. Ninguém se questionou sobre as condições de moradia ou alimentação dos menores envolvidos. Nada foi dito sobre o que é negado a inúmeras crianças em nosso país: o acesso ao que lhes é cobrado. Cobram-se consciência, educação, caridade, compaixão e respeito. É com estes valores que os jovens brasileiros estão sendo tratados? Com base nas condições do caso, deve-se repensar a escalada da violência, que não é produto de um fato isolado. Não se explica pelo raciocínio simplista, que conclui: o menor, por consequência de leis que não o punem, resolve roubar, agredir, sequestrar ou matar alguém. As inúmeras deficiências no sistema educacional brasileiro e a ineficiência do Estado no sentido de garantir direitos básicos, como saúde, moradia e trabalho dignos, influenciam diretamente na formação da personalidade e valores de qualquer jovem.

Se o Estatuto da Criança e do Adolescente é tão protecionista e dispõe de tanto poder, como é possível explicar crianças vítimas de violência em casa e forçadas a trabalhar para ajudar no sustento da família? Não há explicação. A não ser que o Estado não disponha de mecanismos eficazes para evitar que a violência contra crianças seja controlada. Observando os índices de jovens que sofrem violência na infância, ou são vítimas da fome e outras necessidades básicas, é mais correto supor que estes jovens não sabem que existe um estatuto para protegê-los.

Esta é apenas uma das ocorrências envolvendo menores de idade que chegam às páginas dos jornais. Se outros casos forem analisados, é bem provável que os mesmos mal-entendidos sejam encontrados. E onde ficou a verdade? Provavelmente, lá onde o fato aconteceu, dentro da casa dos “vândalos” que o jornal nos apresenta. E quem está disposto a deixar de lado o julgamento prematuro e ir até a realidade?

Seguem os links das reportagens:

**http://www.jornalacidade.com.br/noticias/cidades/NOT,2,2,890323,Menino+de+seis+anos+participa+de+quebra-quebra+em+predios+publicos+de+Ribeirao+Preto.aspx

**http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2013/10/adolescentes-promovem-baderna-em-unidade-de-saude-em-ribeirao-preto.html

**http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/2013/10/1356393-crianca-e-adolescente-sao-suspeitos-de-vandalismo-em-ubs-de-ribeirao.shtml

**http://www.tribunaribeirao.com.br/materia/seis-anos-garoto-estava-em-ato-contra-ubs/

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Susana Santosé estudante de Jornalismo, Ribeirão Preto, SP