Quando Chávez morreu e assumiu Nicolás Maduro, ex-maquinista do metrô e dirigente sindical, muitos pensaram: agora, a Venezuela despenca de vez. Afinal, embora caótico, o comandante tinha carisma e o dom do malabarismo verbal para transformar cada notícia ruim num “avanço” da revolução bolivariana. Outros, entretanto, viram em Maduro um lado pragmático, que poderia surpreender. Estes começaram a achar que estavam certos quando o novo presidente convocou a palácio o dono da maior empresa de alimentação do país para discutir os problemas de abastecimento. Ficou nisso. O vácuo deixado pelo caudilho bolivariano jogou as principais figuras do chavismo numa guerra surda pelo poder, embora este formalmente esteja nas mãos de Maduro. A crise econômica que corrói a Venezuela só fez aprofundar-se, com a inflação em 12 meses chegando aos 42,6% em junho, o que aumentou o descontentamento popular.
Maduro colou na figura de Chávez, tentando aparecer como veículo da vontade dele. E começou a apresentar “provas”. Em abril, durante a campanha eleitoral, viu-o “encarnado” num passarinho. Em junho, disse que Chávez “aparecia” nas montanhas que dominam a paisagem de Caracas. Nos últimos dias, exibiu uma suposta imagem do rosto do falecido que teria surgido em obras do metrô. Outro recurso foi aprofundar a chamada revolução bolivariana, agravando os problemas que afligem o país e se afastando do pragmatismo imaginado por alguns, que o deveria levar a buscar consensos.
Bíblia do chavismo
O ataque à liberdade de imprensa foi uma das características de Chávez. Uma de suas ações mais contundentes foi a cassar o sinal da RCTV, a rede mais antiga e de maior audiência do país, em 2007, sob a alegação de apoio à tentativa de golpe de 2002. Já com Maduro, a pressão oficial levou à venda do único canal que ainda mantinha sua independência editorial, a Globovisión, a empresários ligados ao presidente.
Recentemente, o Palácio Miraflores adotou estratégia ainda mais mortífera para silenciar a imprensa escrita não cooptada pelo governo: negar às empresas jornalísticas “inimigas” autorização para a compra de papel de imprensa, não produzido localmente. É o caso do El Nacional, um dos principais diários do país e de postura crítica ao governo. Ele já foi obrigado a cortar suplementos, como o literário, em circulação desde 1943, e só tem papel em estoque até dezembro. Em editorial, o jornal de Caracas prometeu “utilizar todos os meios lícitos ao seu alcance para impedir a vitória da barbárie”.
Enquanto asfixia o livre fluxo de notícias, Maduro imprime milhões de cópias da Constituição bolivariana para distribuição e transforma o chamado “Livro Azul”, escrito por Chávez quando esteve preso, em 1992, na nova bíblia do chavismo. Nada disto, porém, parece capaz de deter a deterioração de sua imagem e o aprofundamento da crise venezuelana.