A Folha publicou no último dia 7 uma reportagem com o título “Sociedade venceu debate, dizem editores”. Debate? Que debate? Desde que veio a público que artistas da música brasileira haviam se posicionado contra a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4.815, que questiona os artigos 20 e 21 do Código Civil, proposta pela Associação Nacional de Editores de Livros (Anel), o que se viu não foi um debate público sobre as razões que levaram esses artistas a tentar esclarecer conceitos e ideias. O que se viu foi um massacre perpetrado pelas editoras (membros da Anel), escritores e, principalmente, pela imprensa.
O assunto é de uma delicadeza ímpar, pois envolve direitos fundamentais dos brasileiros. Simplificá-lo com manchetes sensacionalistas e reportagens que usam à exaustão a palavra censura não serve à causa. A tática empregada é a do terror, demonizando a associação Procure Saber e seus membros. Reportagens jornalísticas, textos de articulistas, notas plantadas em colunas sociais e todo o arsenal bélico representado pelo “poder de informar” (não confundir com “direito de informar”) foram utilizados para manipular a opinião pública contra o debate almejado pela associação Procure Saber.
Posso falar por mim. Fui retratada como oportunista, gananciosa, mercantilista, “dona encrenca”, truculenta e outros adjetivos pouco edificantes. Tentei me expressar e tive minhas falas distorcidas. Tentei explicar e virei matéria diária de colunas que declaravam meu impeachment como presidente da Procure Saber, atribuindo a mim um alegado caos que teria se estabelecido dentro do grupo.
Vida privada e direito à informação
A censura pode se apresentar de várias formas. Calar quem deseja se manifestar é uma delas. Oprimir e fazer um linchamento moral de quem se opõe a interesses ocultos é outra. Até agora, o que se viu foi a imprensa censurando ideias, plantando intrigas e buscando aniquilar qualquer possibilidade de permitir o desenvolvimento de um debate necessário e saudável.
Passado quase um ano e meio desde que a ADI 4.815 foi apresentada, não se conseguiu estabelecer um debate sobre essa ação. Mesmo antes da distribuição da ADI ao Supremo Tribunal Federal, já havia um movimento para a edição de uma lei que favorecesse o mercado editorial. Daí surgiu o projeto de lei nº 393/2011, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP).
As coisas fluíam bem, sem alarde, até que a Procure Saber, ao tomar conhecimento desses fatos, iniciou uma série de questionamentos quanto aos conflitos entre o direito à intimidade e à vida privada e o direito à informação. Esses questionamentos não se prestam a advogar pela censura prévia, conforme a imprensa noticia ad nauseam.
Resolvemos nos calar
Existe, sim, um conflito que precisa ser mitigado. Existe a necessidade de se definir o que vem a ser “pessoa notória” ou “pessoa pública”, e até onde o direito de informar pode invadir a vida pessoal, a intimidade (adjetivada pela Constituição Federal como inviolável) e a privacidade dessa pessoa e de sua família.
Que uma coisa fique muito clara: somos contra a censura, em qualquer de suas formas. Entendemos, sem que qualquer advogado tenha de nos explicar, a necessidade vital da informação, e feitos históricos e do interesse público não podem ser reféns de exigências que inviabilizem o conhecimento.
No entanto, há que se entender onde o interesse público acaba e onde começa o mercantilismo editorial que vende a intimidade alheia como se fosse parte indissociável desse conhecimento.
Há muito mais a ser dito e debatido. Infelizmente, esse debate não ocorrerá fora dos limites processuais, pois fomos tiranizados por aqueles que se dizem paladinos da liberdade de informação. Por essa razão, resolvemos nos calar. A sociedade não venceu debate algum; a sociedade perdeu muito, principalmente o direito de ter à sua disposição todas as informações necessárias para formar seu juízo de opinião.
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Paula Lavigne, 44, é empresária e presidente da associação Procure Saber