Responsável pela interlocução entre Roberto Carlos e o Congresso Nacional, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, 56, o Kakay, afirma que o cantor trabalha para que a nova legislação sobre as biografias em debate no Legislativo dê ao direito à intimidade o mesmo peso que dá ao acesso à informação. O artista tornou-se o pivô de uma polêmica desde que, ao lado de outros cantores, passou a defender a manutenção da autorização prévia para a publicação de biografias – previsão do Código Civil que é questionada no Supremo Tribunal Federal.
Após a repercussão do caso, Roberto Carlos deu uma entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, dizendo ser a favor da publicação de biografias não autorizadas, desde que haja “certos ajustes” na legislação. Mas ele não especificou quais alterações defendia. Segundo o advogado, a ideia é incluir no projeto em tramitação na Câmara – que libera as biografias não autorizadas – a determinação de que informações sobre saúde, relações familiares e de amizade dos biografados sejam preservadas. Essa restrição seria extensiva a terceiros que tenham relação com a pessoa retratada.
“Se o cara está escrevendo uma biografia, pode até ser verdadeiro, mas são fatos que dizem respeito à intimidade. Em nenhum país civilizado existe direito absoluto. A preservação da intimidade é fundamental, é uma conquista da civilização.” Almeida Castro também é defensor do marqueteiro Duda Mendonça, que foi absolvido no processo do mensalão. Para o advogado, processos como este, “muito midiáticos”, são ruins. “Eu defendo uma tese, que foi mal recebida no início, e hoje começa a ter uma aceitação, de que o processo penal não pode ter televisionamento direto.”
“Preservação da intimidade é fundamental”
Quais são os “ajustes” que o Roberto Carlos defende na questão das biografias não autorizadas?
Antônio Carlos de Almeida Castro – O que ele colocou é uma dificuldade natural na definição do que é intimidade. Há dois direitos contrapostos, de mesmo nível constitucional, o da informação e o da intimidade. Se na lei [que tramita na Câmara] fica constando só o direito da informação, de certa forma isso induz o julgador a colocar o direito de informação em um patamar maior do que o da intimidade. Existe uma legislação francesa que diz o que é o direito de intimidade, não de forma taxativa, porque é impossível, mas faz uma pequena descrição: direito à saúde, às amizades, direito familiar. O Roberto Carlos me disse: “Kakay, concordo. Preservar o direito à intimidade no texto já está bom, vamos esquecer a questão relativa à necessidade de autorização.” Falei a ele que existem em algumas outras leis um rol minimamente descritivo de quais condutas seriam intimidades. Quando ele falou em ajustes, seria esse rol.
Os deputados concordam?
A.C.A.C. – Não, o Newton [Lima, do PT de São Paulo, autor do projeto] acha que aí seria a reabertura da discussão. A nossa ideia era tentar fazer isso no substitutivo do Ronaldo Caiado [o advogado se refere a uma proposta alternativa do deputado do DEM de Goiás que prevê o fim da exigência de autorização prévia, mas estabelece um rito sumário na Justiça para pedidos de retirada de partes da obra em edições seguintes]. Como entramos na 25ª hora nessa discussão, estamos tentando colocar o que é possível. Se colocarmos a intimidade, seria o gol que poderíamos fazer na Câmara. Quando você fala em procurar o Judiciário, algumas pessoas levam isso ao extremo e falam que é uma espécie de censura. Não há censura nenhuma nisso. Se o cara está escrevendo uma biografia, pode até ser verdadeiro, mas são fatos que dizem respeito à intimidade. Em nenhum país civilizado existe direito absoluto. A preservação da intimidade é fundamental, é uma conquista da civilização.
“O juiz é sujeito a influências”
Essa previsão, se aprovada, não manteria um limitador?
A.C.A.C. – Aí é caso a caso. O direito não é uma ciência exata. A interpretação posterior vai depender da sociedade, da maturidade como a sociedade vai reagir. Mas tudo tem uma reserva de intimidade, não é preciso que ninguém saiba como é o dia-a-dia da minha vida, com minha mulher, meus filhos.
Sobre o fim da autorização para as biografias…
A.C.A.C. – Acho que isso todo mundo hoje quer. O principal de todo esse debate foi esse consenso de que não tem que haver autorização prévia.
Como o senhor encarou a crítica de Caetano Veloso, para quem Roberto Carlos recuou após “apanhar da mídia”?
A.C.A.C. – Isso só vou dizer quando for escrever minha biografia, ou a biografia autorizada. Sou advogado do Roberto Carlos com muita honra, sempre representei o Roberto e fui chamado para uma única reunião desse grupo [o Procure Saber, formado por artistas para defender causas da categoria], a convite, e a discussão foi ótima. Agora, evidentemente, eu sou de Patos de Minas, interior de Minas, sou mais da Jovem Guarda [movimento liderado, entre outros, por Roberto Carlos]. Desde que conversei com o Roberto pela primeira vez a posição dele era essa. Ele me dizia: “O que você acha que é possível?” Eu dizia que era possível lutar pela intimidade.
Os juízes do STF são suscetíveis às ruas?
A.C.A.C. – O juiz, seja de primeira instância, seja do STF, é um homem, sujeito, sim, a influências, dependendo do momento que está vivendo. O juiz deve ouvir a voz das ruas, o que ele não deve é julgar pela voz das ruas.
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Ranier Bragon, da Folha de S.Paulo