Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pela limitação dos poderes dos governos na internet

Uma proposta conjunta de reforma nas leis mundiais de governança e segurança da Informação da Internet foi apresentada nesta segunda-feira (9/12) por empresas de tecnologia norte-americanas visando limitar a extensão do poder dos governos em práticas de monitoramento da rede. Os princípios da Global Government Surveillance Reform, assinada pela Aol, Facebook, Google, Linkedin, Microsoft, Twitter e Yahoo (a Apple assina também, mas parcialmente), tem claras disparidades com as sugestões do governo brasileiro no tema. A principal é a proposta de “livre fluxo da informação”, no qual pedem que se impeça a exigência de que provedores de serviço instalem infraestrutura dentro do país ou de operarem localmente.

O ponto é claramente contrário à proposta de guarda de dados que poderá estar presente no Marco Civil (PL 2.126/11), no qual seria exigida a instalação de servidores em solo brasileiro para os dados do serviço. Não surpreende, já que as empresas signatárias são justamente as que seriam mais prejudicadas com a exigência. Entidades internacionais chegaram a mostrar descontentamento com o ponto no texto do relator Alessandro Molon (PT-RJ) no final de outubro.

A quarta proposta diz ainda que o fluxo internacional de dados é “essencial para uma economia global e robusta do século 21”, e que os governos “deveriam permitir a transferência de dados e não deveriam inibir o acesso por companhias ou indivíduos à informação legalmente disponível que esteja armazenada fora do país”. Esse trecho trata especificamente em liberdade de acesso à informação, não necessariamente à guarda de dados, e não entra em conflito com a proposta do Marco Civil.

EUA como líderes

Para evitar o conflito de leis entre diferentes nações, os princípios sugeridos na reforma dizem que é necessário estabelecer um conjunto de parâmetros transparentes para demandas legais de dados através de jurisdições, como melhorias nos processos de “tratado de assistência legal mútua” (MLAT, na sigla em inglês). Na ocasião de eventual conflito de leis, pedem que os governos “trabalhem juntos para resolução”. As empresas não chegam a sugerir como isso aconteceria e nem mencionam propostas de governança multissetorial acordada internacionalmente, como sugere o governo brasileiro.

Chama a atenção também o forte desejo das empresas de colocarem o governo dos Estados Unidos na liderança dessa reforma mundial, mesmo que todas as denúncias sobre segurança da rede feitas pelo ex-funcionário da agência NSA, Edward Snowden, envolvam justamente os EUA e seus aliados, notadamente o Reino Unido. A proposta inclui declaração dos CEOs das empresas, todas em teor semelhante, e uma carta aberta (esta, sim, assinada pela Apple também) endereçada ao presidente Barack Obama e a membros do congresso norte-americano. “Nós conclamamos os EUA a tomar a liderança e fazer as reformas para garantir que os esforços de monitoramento governamental sejam claramente restritos por lei, proporcionais aos riscos, transparentes e sujeitos a análise independente”, diz a carta.

“Nós entendemos que os governos têm o dever de proteger seus cidadãos. Mas as revelações desse verão (inverno no Brasil) ressaltaram a necessidade urgente de uma reforma das práticas mundiais de monitoramento governamental. A balança em muitos países pendeu muito em favor ao Estado e longe dos direitos do indivíduo – direitos que são garantidos em nossa Constituição”, afirma a carta assinada pelas empresas americanas. “Isso mina as liberdades que todos celebramos. É hora de uma mudança.” Elas garantem que se manterão focadas em assegurar os dados dos usuários com o uso das últimas tecnologias de criptografia e ao analisar os pedidos dos governos para terem certeza que são legais e razoáveis.

Limite à autoridade

Dentro dos cinco princípios, estão respostas claras ao uso indiscriminado feito pela NSA de backdoors e grampos em redes de comunicação. No primeiro item, a reforma propõe que as autoridades devem limitar o monitoramento para propósitos legais específicos, sem coleta de grandes quantidades de dados. Assim, as empresas pedem que haja limite à autoridade dos governos em coletar informações de usuários. Já o segundo item pede que as agências de inteligência procurem utilizar um framework legal claro no qual os poderes executivos sejam sujeitos à checagem rígida e balanços. As companhias pedem ainda que as revisões sejam independentes e incluam um processo adverso, com regras publicadas de maneira ágil.

Outro ponto exige a transparência com as demandas dos governos em relação aos programas de segurança e monitoramento. “Governos deveriam permitir às companhias publicarem o número e natureza das demandas governamentais por informação de usuários. Além disso, governos deveriam também prontamente abrir esses dados publicamente”, diz o texto.

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Bruno do Amaral, do Tela Viva