Num desafio significativo à autoridade de espionagem dos EUA, o juiz distrital Richard Leon determinou que o programa do governo revelado em junho por Snowden violou o direito dos americanos de serem livres de buscas indiscriminadas. A decisão judicial – em resposta a duas ações coletivas lideradas contra a empresa de telecomunicações Verizon – também ordena que o governo interrompa o armazenamento de dados dos dois responsáveis pela ação julgada, assim como a extinção do histórico de telefonemas dos requerentes. “Não consigo imaginar algo mais indiscriminado ou uma invasão mais arbitrária que a coleta e a retenção sistemáticas de dados pessoais de praticamente qualquer cidadão para análise e busca sem qualquer aprovação judicial”, escreveu o juiz Richard Leon, do Distrito de Columbia, que classificou como “orwelliana” a tecnologia usada pela NSA. “Certamente, um programa do gênero infringe o grau de privacidade previsto pelos fundadores (dos EUA) na Quarta Emenda.”
Da Rússia, onde vive desde que recebeu asilo temporário, em agosto, Edward Snowden comemorou a liminar em comunicado distribuído pelo jornalista Glenn Greenwald, que divulgou boa parte do material secreto. “Agi de acordo com a minha crença de que os programas de vigilância em massa da NSA não resistiriam a um confronto com a Constituição, e que o povo americano merecia ver estes temas em tribunais abertos”, escreveu Snowden. “Hoje (ontem), um programa secreto autorizado por um tribunal secreto, quando exposto à luz do dia, foi percebido como uma violação aos direitos dos americanos.”
O juiz também afirmou em sua decisão, de 68 páginas, que o Departamento de Justiça americano não conseguiu comprovar que a coleta de informações ajudou a evitar ataques terroristas. Em nota, o departamento defendeu que o programa de espionagem é constitucional, “como outros juízes reconheceram” – uma possível alusão a uma decisão da Suprema Corte americana de 1979 que permitiu à polícia registrar números discados em um telefone sem necessidade de mandado judicial. Entretanto, Leon considerou que este precedente não poderia se aplicar à tecnologia usada hoje em dia pela NSA.
No mesmo dia, a Casa Branca negou-se a negociar com Snowden em troca dos documentos roubados pelo ex-analista de inteligência e exigiu que volte aos Estados Unidos, onde é acusado de espionagem. A resposta veio depois de Rick Ledgett, funcionário da NSA, ter dito em declarações divulgadas domingo (15/12) à rede CBS que, “do ponto de vista pessoal”, seria favorável a negociar com Snowden para recuperar os documentos. “Nossa posição não mudou”, disse o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, sobre a situação de Snowden, que está na Rússia, onde recebeu asilo temporário. “O senhor Snowden foi acusado de filtrar informação confidencial e enfrenta acusações criminosas nos Estados Unidos e deveria voltar ao país o mais cedo possível.”
Os Estados Unidos indiciaram Snowden por roubo de propriedade do governo, comunicação não autorizada de informação de defesa nacional e divulgação deliberada de informação confidencial. Cada uma das acusações pode levar a uma sentença de dez anos de prisão.
Divisão sobre Snowden
Membros da NSA estavam divididos quanto a uma possibilidade de anistia a Snowden. Enquanto Rick Ledgett defendeu a medida como uma forma de conter futuros vazamentos, o diretor da agência, general Keith Alexander, comparou a proposta a uma anistia a um sequestrador que tenha matado 10 de seus 50 reféns.
Já o governo americano afirma que as informações confidenciais divulgadas por Snowden prejudicaram a luta contra o terrorismo, além de representarem um prejuízo de dezenas de milhões de dólares. O ex-técnico terceirizado da CIA fugiu do país levando cerca de 1,7 milhão de documentos confidenciais de computadores do governo. Divulgado em jornais como o britânico The Guardian e O Globo, o material revela o amplo sistema de espionagem americana sobre indivíduos e governos. Snowden hoje está asilado temporariamente na Rússia. “Minha opinião pessoal é que vale a pena ter uma conversa sobre o assunto (anistia). Eu precisaria de garantias de que os dados restantes estariam seguros e meu padrão para essas garantias seria muito alto”, disse Rick Ledgett num trecho da entrevista ao programa 60 Minutes, da CBS, divulgada no domingo. A ideia não foi bem recebida pelo general Alexander, que deverá se aposentar no próximo ano: “É a mesma coisa que um sequestrador com 50 reféns que mata 10 e então diz: ‘Se vocês me derem anistia completa, deixarei os outros 40 saírem.’ O que vocês fariam?”
O próprio Ledgett admite que a opinião “não é unânime” na NSA. Mas em uma entrevista anterior, ele disse que estava profundamente preocupado com documentos altamente confidenciais que ainda não vieram a público. A anistia, então, seria uma forma de conter os vazamentos e evitar danos maiores. Ledgett chegou a comparar a divulgação dos dados a um “cataclisma” (com agências internacionais).