Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ano de Edward Snowden

Há quase um ano, previ na revista Slate que 2013 testemunharia um importante avanço na vigilância do governo, mas nunca poderia imaginar sua importância, graças em grande parte às ações de um único americano: Edward Snowden. Em junho, o ex-técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), de 30 anos, tornou-se um nome familiar repetido quase todas as noites ao ser apontado como a fonte de uma série de extraordinários vazamentos de informação sobre os vastos programas de espionagem dos EUA.

As revelações de Snowden – a maior violação de informações supersecretas na história do país – abriram para o mundo as atividades clandestinas do governo dos EUA e seus aliados em um grau sem precedentes de exame público, desencadeando um tardio debate internacional sobre a expansão dos modernos métodos de vigilância eletrônica.

O momento escolhido foi impecável. Um dia antes do primeiro furo explosivo de Snowden sobre a coleta de milhões de chamadas telefônicas dos clientes da Verizon, feita pela NSA, um relatório revolucionário do enviado da ONU sobre a liberdade de expressão havia advertido sobre a capacidade cada vez maior do governo de “investigar e gravar comunicações por telefone e pela internet em escala nacional”.

Novas tecnologias, alertava o relatório, facilitaram “o monitoramento invasivo e arbitrário dos indivíduos, que talvez não tenham condições de saber que estão sujeitos a essa vigilância e muito menos contestá-la”.

O relatório da ONU baseou-se em fragmentos de provas, em grande parte circunstanciais, sobre as operações sigilosas de vigilância do governo americano.

No entanto, não havia documentos que confirmassem os detalhes cruciais, de modo que os programas ainda podiam ser desmentidos e menosprezados pelas autoridades. Fornecendo um grande número de documentos em primeira mão, Snowden mudou completamente o jogo. Qualquer pessoa que levantasse a hipótese de amplos programas de espionagem – ou tentasse contestá-los nos tribunais – não poderia mais ser acusado de especular hipoteticamente ou ser considerado um doido paranoico.

A primeira história com base nos vazamentos de Snowden – o furo da Verizon – rasgou o véu do sigilo de um programa que, como foi revelado posteriormente, implicava a coleta pela NSA de gravações de chamadas telefônicos de praticamente todos os americanos durante pelo menos os últimos sete anos. Esse programa, revelado pela primeira vez pelo jornal britânico The Guardian, continuou tendo a maior repercussão nos EUA e foi recentemente julgado por um juiz federal “provavelmente inconstitucional”.

No âmbito internacional, a revolta pública concentrou-se na vigilância maciça das comunicações pela internet realizada pela NSA e pela sua equivalente britânica, a GCHQ, como parte de controvertidos programas como Prism, XKeyscore, Tempora e Muscular – que coletam conjuntamente centenas de milhões de comunicações online diariamente.

Esses programas provocaram uma longa investigação pelo Parlamento Europeu e levaram as maiores companhias de internet a exigir que o presidente Barack Obama tomasse a iniciativa de empreender reformas no plano mundial das medidas de vigilância. Um painel nomeado pela Casa Branca para a revisão da vigilância propôs separadamente uma série de reformas que, se for plenamente adotada, controlaria de maneira significativa os programas da NSA. Houve também importantes revelações a respeito dos agressivos esforços da NSA e da GCHQ para driblar, enfraquecer deliberadamente e decifrar a criptografia que protege a internet.

Sem fronteiras

Essas táticas foram atacadas por criptógrafos, que acusam as agências de espionagem de “agir contra os interesses do público”. Além disso, os vazamentos mostraram que as agências de espionagem invadem os computadores de governos amigos e se infiltram na infraestrutura das comunicações civis em nações aliadas.

Elas revelaram que as operações de vigilância estão envolvidas com o programa de drones da CIA e que a NSA segue a localização de bilhões de celulares. Sem mencionar as importantes revelações de que espiões britânicos e americanos invadiram as comunicações de funcionários de governos amigos – como a espionagem de líderes do Brasil e da Alemanha, que desencadeou um sério atrito diplomático.

À essa altura, é difícil quantificar com precisão qual será o legado a longo prazo dos incríveis vazamentos de Snowden. O ex-contratado da NSA no Havaí continua exilado na Rússia, temendo ser perseguido pelo governo caso volte aos EUA. Entretanto, suas ações desencadearam o que parece ser uma mudança cultural parcial, mas crítica, dentro do governo Obama sobre a questão do sigilo, levando à suspensão da confidencialidade de documentos antes ultrassecretos e revelando como a NSA violou a lei em repetidas ocasiões e enganou os juízes que deveriam supostamente supervisionar seu trabalho.

As revelações de Snowden tiveram – e continuam a ter – um papel crucial em informar e alimentar o debate internacional em curso sobre responsabilidade e fiscalização da conduta secreta de governos em sociedades democráticas.

Na quarta-feira [18/12], por exemplo, a ONU votou unanimemente a favor de uma redução da vigilância eletrônica excessiva. Mesmo o próprio chefe da espionagem do governo americano, James Clapper, que foi exposto pelos vazamentos e teria mentido ao Congresso, foi obrigado a admitir que o debate provocado por Snowden “provavelmente precisava ocorrer”.

No entanto, a reação está apenas começando a ganhar força. Passados seis meses do primeiro vazamento de Snowden, somente agora estamos começando a ver os primeiros sinais significativos de surgimento de mudanças políticas e legais.

Ano de Snowden

Além disso, apesar das tentativas toscas de algumas autoridades de suprimir as reportagens sobre os arquivos secretos, novas e importantes matérias continuam surgindo. Digo isso com alto grau de certeza porque, nas últimas semanas, tive a oportunidade de rever a série de documentos vazados enquanto trabalhava em investigações com o ex-jornalista do Guardian, Glenn Greenwald, a quem Snowden confiou o material no começo do ano.

Esperem mais revelações, portanto, e com elas mais decisões judiciais, audiências de comitês, controvérsias e reformas. Este, certamente, foi o Ano de Snowden, mas podem apostar que o informante será protagonista de boa parte de 2014 também.

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Ryan Gallagher é jornalista, da Slate