As brasileiras estão longe de ser – como imaginam os estrangeiros que visitam o país atraídos pelo turismo sexual – mulheres fáceis e disponíveis. Isso nós sabemos. Mas daí a dizer que as brasileiras – e brasileiros – são os machistas burros retratados na recente pesquisa do IPEA vai uma grande distância.
Seria interessante verificar os resultados se, em vez de afirmações, as questões da pesquisa tivessem sido apresentadas como perguntas.
A verdade é que as afirmações podem ter induzido os entrevistados a dizer sim às pérolas do machismo que transformam as vítimas em culpadas.
Exemplos:
>> “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” – (42 % dos entrevistados concorda plenamente e 22% concorda parcialmente).
>> “Se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros” – (35,5% concorda plenamente e 23,2% concorda parcialmente.)
>> “Há mulheres feitas para casar e outras para levar para cama” – (54% concordam plenamente).
Barulho garantido
Ler os resultados dessa pesquisa é como voltar no tempo, para bem antes da revolução sexual. Um tempo em que mulher desquitada era pária, filho nascido fora do casamento era bastardo – sem direito a usar o nome do pai; divórcio e segundo casamento eram coisas de estrangeiro. E mulher que “perdia” a virgindade era prostituta.
Será que mães de meninas que namoram em casa acham que suas filhas são “de levar para cama”, e que a virgindade ainda é um requisito para o casamento cheio de pompa e circunstância? Podemos até admitir que a maioria da população concorde com as afirmações machistas da pesquisa. Mas não se pode aceitar que a imprensa, sabendo que quando se afirma alguma coisa para o entrevistado ele – até por preguiça – tende a concordar, não tenha questionado a pesquisa. É preciso saber quem foram os entrevistados (a matéria inicial diz que foram pessoas de todas as classes e níveis culturais), em que regiões do país foram feitas as entrevistas e qual a idade dos entrevistados.
Dizer que a maioria dos entrevistados culpa as mulheres pela violência contra elas é garantia de conseguir repercussão. A presidente da República ficou indignada e as mulheres começaram uma campanha pelo Facebook. A repercussão da pesquisa– se era esse o objetivo – foi enorme.
Nome aos bois
É hora de um grande jornal ou emissora de TV se unir a um instituto de pesquisa e verificar (perguntando, e não afirmando) como pessoas se sentem com relação à violência contra as mulheres.
Se realmente as pessoas acreditam que as mulheres têm culpa por serem estupradas, está na hora de começar uma grande campanha – em escolas, clubes, rádios, jornais e TVs – para mudar a mentalidade dos brasileiros. É hora também de esclarecer – se é que existe dúvida a esse respeito – que o estupro não é uma resposta à sensualidade da vítima. Estupro, segundo o dicionário, é “o ato de forçar alguém a ter relações sexuais contra sua vontade, por meio de violência ou ameaça”.
O estuprador não escolhe suas vítimas pelo modo de vestir, idade ou situação econômica.
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Ligia Martins de Almeida é jornalista