Os ataques às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) das comunidades de Manguinhos, Alemão e no Complexo do Lins, ocorridos no dia 20 de março, trouxeram novamente à tona o debate sobre a eficácia da política, adotada pelo governo estadual do Rio de Janeiro, para combater o tráfico de drogas. Outro aspecto que chama a atenção no tema é a cobertura jornalística a respeito desses ataques e seus desdobramentos. No portal de notícias G1, por exemplo, observa-se uma grande ênfase às declarações oficiais do governador Sérgio Cabral, do secretário de segurança, José Mariano Beltrame, assim como de outras autoridades oficiais, a respeito dos ataques. Desta vez, observou-se uma mudança em relação ao discurso anteriormente adotado.
Até então, os ataques ocorridos eram classificados como medidas desesperadas dos traficantes diante da perda de território e do poder para as ditas forças de pacificação, mas que em nada alteravam o sucesso da política de segurança do governo Cabral. Agora, no entanto, com a necessidade de recorrer ao auxílio das forças armadas, o tom do discurso é mais ameno, indicando que o poder das comunidades ocupadas pela polícia militar está, ainda, em grande parte nas mãos do tráfico. Nesse contexto, é preciso enfatizar que o G1, a exemplo de vários outros jornais e portais de notícias, não procura por vozes diferentes das autoridades oficiais, negligenciando a discussão acerca do projeto de pacificação sob o ponto de vista de moradores. A cobertura do caso Amarildo foi tratada como um caso isolado, um desvio do que a política de pacificação é em sua essência. Não se questionou como os moradores vivem nesse contexto de disputa territorial entre tráfico e UPPs, tampouco como essas pessoas oriundas das favelas cariocas são vistas pelas forças policiais.
Vale ressaltar, também, a ausência da discussão sobre os reais objetivos do projeto de ocupação de comunidades. O mapa do projeto revela uma preocupação essencialmente elitista, onde a ocupação pela PM ocorre, majoritariamente, em comunidades próximas a áreas nobres do Rio de Janeiro, mas os veículos de comunicação em geral agem como entusiastas da ocupação das comunidades por UPPs. Outro ponto que segue à margem do debate pela grande mídia é a limitação do mecanismo de pacificação.
O papel do jornalismo
Junto à presença da polícia, deveria existir um projeto que proporcionasse condições mais dignas de vida aos moradores, como acesso à saúde e educação adequadas. No entanto, oferecer segurança aos moradores é apenas uma das obrigações do estado, e mesmo essa segurança oferecida parece ser mais voltada para o entorno dessas favelas (ou comunidades, na nova nomenclatura adotada pelo governo e encampada pela imprensa) do que para os próprios moradores que ficam no fogo cruzado entre tráfico e polícia. Sob esse prisma, observa-se, mais uma vez, que a cobertura jornalística tradicional parece estar cada vez mais alinhada ao que se reproduz nos discursos das autoridades, apresentando o tão criticado modelo “chapa branca”.
Fazendo um recorte na cobertura feita pelo G1 abordando os ataques às UPPs, no Rio de Janeiro, títulos como “Beltrame diz que Exército vai assumir ocupação do Complexo da Maré” (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/03/apos-ataques-forcas-armadas-ocuparao-mare-afima-cabral.html) e “Após ataques, Forças Armadas ocuparão a Maré, afirma Cabral” (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/03/apos-ataques-forcas-armadas-ocuparao-mare-afima-cabral.html) fazem-nos crer que ao invés de assumir o papel de olhos, ouvidos e boca do povo, o jornalismo vem se tornando de forma incessante um serviço meramente governamental. Isso se dá pelo fato de que em momento algum nestas matérias procuram contrapor as opiniões institucionais a dos moradores que vivem tais conflitos na pele.
Ao invés de focarem-se em pautas como: “Criminosos atacam UPPs em pontos distintos do Rio e PMs ficam feridos“, “Policial de UPP morre baleado em confronto no Complexo da Penha, Rio“, ou ainda “Cabral vai pedir a Dilma apoio das Forças Federais para conter ataques“ – o que podemos considerar como uma verdadeira tentativa de mexer com a emoção do público leitor – se fazendo valer descaradamente do sensacionalismo; seria, no mínimo, digno se o jornalismo feito pelo veículo abordasse o quão prejudicada está sendo a população com estas operações de “ocupação” – e não de pacificação, como fazem entender.
A questão que, cada vez mais, vem assolando a sociedade é: cadê o comprometimento dos “ditos” meios de comunicação social com a verdade? Diante de catastróficos confrontos que deixam moradores apreensivos, causam a morte de vários proletários, inocentes (diga-se de passagem), fecham portas dos comércios locais, e deixam mais de oito mil crianças sem aulas na maré, segundo agências de noticias, o certo – embora dificilmente falam o que pensam com medo de sofrerem represálias por parte de traficantes, milicianos ou policiais – não seria tentar mostrar o que os moradores sentem e acham destas operações? Deste modo, acreditamos que somente assim a imprensa estaria cumprindo com a importante missão de dar vez e voz a quem não a tem.
Podemos, até, ousar escrever que a cobertura feita pelos portais de noticias analisados, e singularmente pelo G1, põe em causa e/ou atenta contra o verdadeiro papel social do jornalismo. Compartilhando o que foi escrito por Sylvia Moretzsohn, em seu artigo “O embuste da manchete velha“, no Observatório da Imprensa, também nos arriscamos a escrever que a cobertura do portal de notícias da Rede Globo sobre os ataques às UPPs simplifica as coisas, reduzindo-as a uma briga de gato e rato, polícia e bandido. O bem contra o mal.
******
Frederico Canequela e Gabriel Oliveira são estudantes de Jornalismo