Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Criminalização da pobreza e violência do Estado

A princípio, a lei transcrita em nossa Constituição é direcionada a toda sociedade brasileira. Todos estão sujeitos à aplicação da lei, desde os mais ricos aos mais pobres, brancos, negros, pardos, não importa, a lei é igual para todos. Mas nem todos são iguais para ela, a lei não se exerce a todos, indiscriminadamente, nossa sociedade vive sob um regime no qual ser pobre, negro, é crime. Afinal, um homem de classe média alta não pode ser submetido às condições desumanas de uma cadeia brasileira, muito menos ter o mesmo tratamento que um pobre.

O nível de escolaridade entre a maioria dos presos, em 2012, era o Ensino Fundamental Incompleto (50,5%). Os analfabetos representavam 6,1% da população carcerária e 14% eram alfabetizados, divididos entre 13,6% com o Ensino Fundamental Completo e 8,5% que tinham concluído o Ensino Médio. Os que tinham Ensino Médio Incompleto eram 1,2%, haviam chegado à universidade 0,9%, mas sem conclusão, 0,04% concluíram o Ensino Superior e 0,03% chegaram a um nível acima de superior completo.

Em um levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, com dados do Sistema de Informações Penitenciárias – Infopen, do Ministério da Justiça, apontou um crescimento de 21,4% na população carcerária brasileira no período de 2008 a 2012, registrando 548.003 presos em 2012, uma taxa de 287,31 para cada 100mil habitantes, em uma população de 190.732.694 habitantes, de acordo com o IBGE. A taxa de presos por 100 mil habitantes, que em 2008 era de 238,1 por 100 mil habitantes, também apresentou crescimento de 20,6% no período.

O crescimento no número de vagas no sistema penitenciário não tem acompanhado o aumento da população carcerária. Em 2012, os presídios brasileiros chegaram a 310.687 vagas, resultando em 1,8 presos por vaga. O crescimento foi de apenas 4% em relação a 2008 quando se tinha 296.428 vagas. A superlotação é evidente nas prisões nacionais, o último levantamento apontou que mais de 240 mil presos estão recolhidos sem a vaga correspondente.

Calada enquanto pôde

Na Lei nº 11.343, que regulamenta o consumo, venda e o porte ilegal de drogas como crime, também traz consigo todo preconceito presente em nossa sociedade presente nela desde seus primórdios. No capítulo III, dos crimes e das penas; artigo 28, parágrafo 2º, afirma assim: “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”

O preconceito e a criminalização da pobreza são previstos em lei. Quando na constituição diz que para se determinar se a pessoa é consumidora ou traficante, deve-se levar em conta o local e as condições sociais e pessoais dessa, a discriminação opera. Daí, partimos para o que ocorre hoje nas ruas, se o cidadão; não, o “bandido” for pego com drogas na rua ou em casa, e este estiver em um bairro “humilde”, em uma “favela”, tanto policial quanto juiz usará isso como fator determinante para taxá-lo como traficante ou não. Mas, se o cidadão for visto usando ou levando consigo drogas, com o diferencial favorável de bairro e condição financeira principalmente, talvez nem como usuário ele seja considerado.

O que de fato ocorre no país, é um grave despreparo da polícia e uma péssima orientação dos magistrados. A corrupção acontece demasiadamente, sem que medidas contrárias a isso sejam tomadas. Desde a juventude ouvimos que corrupção é crime, mas não é punido; também ouvimos que a favela é lugar de bandido, que bandido bom é bandido morto e somos massacrados por noticiários repletos de tragédias que ocorrem diariamente nos bairros pobres. Há 20 anos, na Praça Candelária, isso foi exposto, quando dois carros se aproximaram e começaram a atirar contra as crianças e adolescentes que dormiam nas imediações. Oito meninos foram assassinados. As vítimas eram pobres, sem-teto e, em sua maioria, negros. Mesmo assim, o extermínio e criminalização da população pobre, especialmente negra, continuam e com permissão e patrocínio do Estado.

Um dos episódios mais recentes é o de Amarildo, pedreiro, morador da Rocinha, negro, pobre. Foi levado à sede da UPP do local para “averiguação” e nunca mais voltou. A mídia tradicional se manteve calada enquanto pôde, mas após manifestações populares diversas e do evidente conhecimento popular do caso, esse silêncio acabou. Mas, de nada adiantaram as acusações da grande imprensa, Amarildo continua desaparecido, sua família ameaçada de morte, ninguém foi exonerado e muito menos julgado, o Estado se omite.

História manchada por desigualdade

A última chacina descoberta, promovida pelo Estado, aconteceu em junho na favela da Maré, a polícia invadiu a comunidade, um policial foi morto, depois disso a Polícia Militar disparou indiscriminadamente contra a população, culminando com a morte de nove pessoas.

“Meu filho era um menino bom. Nunca foi envolvido com nada de errado. A nossa vida aqui na favela não vale nada para essa polícia. Meu filho tinha problemas de audição e demorou mais do que os outros fregueses para notar o tiroteio. Que covardia que fizeram com ele. Vou lutar por justiça até o fim da minha vida. Depois que esse governador [Sérgio Cabral] foi eleito, acabou o pouco de paz que nós tínhamos. Toda semana a polícia entra aqui e mata alguém. Seja bandido, que eles executam, ou trabalhador, que eles atiram nas costas. Não importa se é traficante ou não, aqui todo mundo tem medo da polícia e todo mundo corre quando ela chega” (Dilma Barbosa, mãe de uma das vítimas na Maré, Deividson Evangelista Pacheco, em entrevista ao site A Nova Democracia).

A quantidade de jovens que é vitimada pelo poder do Estado é enorme. São meninos tratados como bastardos, de uma sociedade preconceituosa e elitista, que priva dos pobres da ascensão econômica por meio de exclusão de oportunidades. Muitos casos como o de Amarildo se repetem diariamente e nem sequer damos conta disso. O pobre morre na favela, o governo tira a oportunidade à base da covardia e culpa a comunidade pela sua incompetência. Programas como Bolsa Família servem para calar a boca do inocente e o péssimo estudo aliado às cotas universitárias, garantem que seus filhos, não alcancem consciência crítica para conseguir esclarecimento e assim contestar o regime no qual vivem.

Quantos são os jovens provenientes de famílias pobres que conseguiram melhorar economicamente de vida sem que fosse por meio do esporte ou da arte? Que conseguiram isso através dos estudos e se tornaram engenheiros, médicos etc.? Estes são os filhos do proletariado, os filhos da escravidão, a história do Brasil é manchada por desigualdade e parece não haver uma definição para isso.

Mídia denunciativa

Todos os dias condição social, pobreza e criminalidade, violência estão misturados no noticiário, tornando-as praticamente a mesma coisa. Infelizmente, essas atitudes contribuem para o prolongamento do estado de violência que o país vive. O pedido de socorro das favelas, das aldeias e dos assentamentos é abafado pelos noticiários. Mesmo que ocasionalmente haja alguma denúncia contra a má gestão do governo e a violência da polícia, não é suficiente para que algo de concreto aconteça. Desde os primórdios vemos a história ser escrita e desenhada sob o ponto de vista das classes hegemônicas.

Nos jornais, vemos que a imprensa busca associar o pobre, trabalho de ambulantes e movimentos sociais com atitudes já definidas como criminosas, como furtos, assaltos, vandalismos, etc. Mesmo que se ponha, “as cenas de vandalismo aconteceram após o protesto pacífico”, isso coloca na mesma linha duas coisas totalmente opostas e acaba associando no imaginário social a definição que protesto sempre termina em confusão e crimes. Assim também é com a parcela populacional que reside em bairros pobres. Tomo por exemplo uma matéria do site g1 do dia 29 de novembro de 2013. Aonde um bairro nobre é colocado como “vítima” e um bairro pobre é posto como “culpado”. Mesmo que o site coloque a afirmação como sendo dos moradores, a notícia explicitada desta maneira faz desse pensamento, opinião do jornal.

“Os constantes casos de violência no bairro João Agripino, em João Pessoa, têm feito os moradores abandonarem o local. O número de casas à venda na área aumentou nos últimos meses. A proximidade com o bairro São José, conhecido pelo alto índice de criminalidade, é um dos pontos de reclamação dos moradores do João Agripino” (ver aqui).

Outro grande problema é a apresentação privilegiada, quando não única da versão oficial. Apenas a polícia, os órgãos públicos são ouvidos, raramente é dado o mesmo espaço de defesa para os moradores, para os acusados. Vemos isso claramente nas notícias de remoções no Rio de Janeiro. Onde mesmo que seja dado o espaço para fala dos moradores, o jornal dá muito mais espaço para a versão oficial, que é a encampada pelo meio de comunicação.

“A decisão de acabar com a comunidade promete causar polêmica nos movimentos sociais que elegeram a Vila Autódromo como uma espécie de símbolo da resistência a remoções necessárias às obras para a Copa e das Olimpíadas” (matéria de 4/10/11 do jornal O Globo).

Qual seria a medida necessária para que aconteça um retrocesso na criminalização e um avanço na democracia? Não numa medida ideológica para isso, mas sim prática, começando com uma mudança na constituição federal. Para concluir exponho uma opinião da qual concordo, de José Claudio Alves, professor na UFRRJ: “Temos que dar voz, cara, espaço para quem não tem essa oportunidade. São os presos, familiares de presos, criminalizados, favelados, parentes de vítimas etc. Esse é o nosso papel.”

Bibliografia

http://www.anovademocracia.com.br

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm

http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br

http://www.ambito-juridico.com.br

http://nucleopiratininga.org.br

http://bdm.bce.unb.br

THOMPSON, Augusto; “Quem são os criminosos?”

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Thiago Vaz é estudante de Jornalismo, Niterói, RJ