O fim da censura, ainda no regime militar, e a garantia de liberdade de expressão explicitamente inscrita na Constituição, em 1988 são marcos fundamentais da redemocratização do país. Foram conquistas árduas, que custaram sacrifícios à sociedade. No caso específico do direito à livre manifestação, trata-se de fruto de longo processo, que só se completou bem depois da volta dos militares aos quartéis e da promulgação da Carta: como entulho herdado da ditadura, perdurou como espasmo do autoritarismo na legislação brasileira a Lei de Imprensa, permanente ameaça a jornalistas e veículos de comunicação, até ser enviada ao lixo pelo Supremo Tribunal Federal, em 2009.
O país consagra, portanto, esse princípio inerente ao estado democrático de direito. E, em comparação com outras nações do continente, onde agravos à liberdade de expressão têm sido praticados sistematicamente, o Brasil é um exemplo positivo. Mas essa confrontação, se nos coloca em patamar diverso de Estados com governos autoritários, como Argentina, Venezuela e outros, por outro mitiga uma realidade na qual o exercício do jornalismo profissional e responsável está sujeito a inaceitáveis trancos. Caso explícito do avanço da chamada censura judicial, em geral requerida por agentes públicos contra veículos de imprensa e jornalistas em todo o país.
Iniciativa bem-vinda
Os inúmeros casos de proibição imposta à imprensa, uma anomalia num país em que a liberdade de expressão é abalizada pela Constituição, são preocupantes sinais de que tais ataques não re resumem a episódios isolados. O Poder Judiciário, quase como regra em sua primeira instância, tem colocado sob censura diversos veículos brasileiros. Há casos em que jornais são censurados em tribunais de pequenas causas, com três tipos de procedimentos, simultâneos: proibição de citar o nome de agentes públicos implicados em inquéritos, punição financeira até com sequestro de caixa e determinação de impedimento ao veículo punido de recorrer a tribunais superiores.
Caso notório de censura judicial atingiu o jornal “O Estado de S.Paulo”, proibido de publicar qualquer notícia sobre uma investigação da Polícia Federal envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República e senador José Sarney. Mas o tacão judicial, sob pretextos diversos, estendeu-se a outras publicações (“Gazeta do Povo”, do Paraná, “Século Diário”, do Espírito Santo, “Jornal Pessoal”, do Pará, além de casos em Mato Grosso, Amapá etc.). Uma preocupante evidência de que a própria Justiça desrespeita a Carta do país.
Neste sentido, é positiva a iniciativa de instituições como ONU, OEA, STF e CNJ de realizar, no Rio, importante debate sob o tema Liberdade de Expressão e Judiciário. É iniciativa bem-vinda para aparar arestas, devolver ao país a plena acepção do direito amplo e irrestrito à informação e restabelecer, em definitivo, o princípio constitucional segundo o qual a liberdade de expressão prescinde de regulamentação.