Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não foi censura

O povo brasileiro tem memória curta; Collor e Sarney nos lembram disso todos os dias. Mas sempre que vejo uma pessoa indignada alegando que a jornalista Rachel Sheherazade, âncora do SBT Brasil, foi censurada por ter sido impedida de proferir suas opiniões em rede nacional, apenas duas coisas passam pela minha cabeça: ou o cidadão não lembra o que é censura ou nunca soube do que se trata.

Não confundam o resultado de uma série de atitudes no mínimo irresponsáveis com cerceamento da liberdade de opinião. Nos seus discursos que incitavam a violência, Sheherazade claramente infringiu o Código de Ética dos Jornalistas e foi além, desrespeitando também o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Mas a jornalista paraibana não foi violentada. Nenhum militar entrou na redação do jornal que ela trabalha para tomar satisfações, interrogá-la, prendê-la ou qualquer coisa do tipo. Rachel Sheherazade não foi torturada. Não teve câmeras ou gravadores arrancados de suas mãos e quebrados em público. Nunca apanhou somente por tentar exercer o seu trabalho. Definitivamente deve desconhecer o que é, de fato, uma censura.

Falso moralismo

Jamais desejaria algo do tipo a ninguém, mas sempre que uma pessoa levianamente confunde o verdadeiro sentido de censura entendo como uma gravíssima falta de respeito contra todos os jornalistas que foram censurados durante o regime militar no Brasil. Vladimir Herzog, esse sim, foi censurado e morto. Calado para sempre pela violência durante o período mais obscuro da história recente do país.

Também é triste ver uma colega e conterrânea tentar conduzir a opinião pública através de um grupo de pessoas que não tem memória. Hoje, a apresentadora envergonha seus professores do curso de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, onde se formou. Alguns deles também foram meus professores. Curiosamente, são as pessoas da extrema-direita que defendem seu discurso, entre reacionários e saudosistas da ditadura.

E para completar a corrida pela alienação da sociedade, um pastor vem a público nas redes sociais pedir que os fiéis “lutem e orem” pela situação da jornalista. No país que deveria ser laico as pessoas usam o discurso religioso para manipulação. Antes fôssemos consumidos pelo fogo eterno! Mas já que estão orando, orem também por mim e que Deus abençoe a bancada evangélica no Congresso Nacional e nos livre do falso moralismo e da inutilidade parlamentar.

******

Felipe Gesteira é jornalista